Há algum tempo estive procurando o livro Quem é John Galt? e fiquei abismado com o preço que estavam querendo por ele na Estante Virtual: uma edição de 1987 que saiu pela editora Expressão e Cultura, estava saindo por volta dos 300 reais (o mais barato)! Mas então encontrei uma edição surrada na biblioteca da universidade e a monopolizei (pelo menos até comprar a edição da Sextante).

O livro é gigantesco, a edição de 1987 tem letras minúsculas e o texto de uma página dela, em uma “edição convencional”, ocuparia quase duas. Procurando pela Internet informações sobre a obra, encontrei esse site aqui, que fala que a Ayn Rand, autora do livro, queria demonstrar como a sociedade concebida por Marx é inaplicável e é justamente com farpas que a primeira parte do livro, A não-contradição, foi intitulada.

A revolta de Atlas (título que a Sextante escolheu para a reedição do calhamaço, que conta agora com divisão em três volumes; combina mais com o título em inglês, Atlas Shrugged) conta a história de diversos personagens que perambulam pelas escaramuças e pelo cotidiano corporativo de duas empresas principais (embora haja uma constelação de outras orbitando ao redor dessas duas): a Taggart Transcontinental, transportes ferroviários; e a Metalúrgica Rearden, fabricante de, entre outras coisas, o famoso Metal Rearden.

Desse universo corporativo-financeiro emergem personagens cujos comportamentos oscilam entre a “frouxidão” de atitudes (Jim Taggart) e a vontade férrea de levar suas ambições às últimas conseqüências (Dagny Taggart e Hank Rearden). Ayn Rand claramente glorifica o segundo grupo, criando uma aura intempestiva ao redor dessas figuras, conferindo-lhes um status de quase divindades, enquanto que os primeiros são vistos como molengas e lenientes demais para serem levados a sério.

Rearden descobriu como fazer um metal similar ao aço, o Metal Rearden, porém mais forte e mais barato; e Dagny, que se vê às voltas com problemas nos trilhos de suas ferrovias, recorre a ele para conseguir manter seu negócio na ativa. A opinião pública se volta contra eles pela deslealdade da concorrência e do impacto quase-cataclísmico que essa inovação traria a economia.

Jim Taggart, que representa o outro grupo, que procura levar em conta o impacto de seus atos em relação à realidade social circundante, é visto como inocente, ingênuo e digno de pena, já que “limita” a quase-implacável vontade tipicamente humana à preocupação com os outros ao seu redor.

A dicotomia que separa esses dois tipos de personagens está ligada a uma concepção liberal do mais alto desprendimento e despreocupação social. Dagny e Hank levam tão a sério suas ambições que ignoram quaisquer impactos que suas atitudes possam gerar. Eles são mostrados como arautos do desenvolvimento e do progresso, cuja obstinação em levar a cabo seus intentos em detrimento de quaisquer outras conseqüências é louvável e vista com a mais alta expressão da superioridade dos seres humanos pela autora.

A revolta de Atlas deixa claro como Ayn Rand é uma defensora do liberalismo, já que os personagens principais, mega-empresários, self made men (and women) da era moderna, quando obrigados a balizar sua atuação de acordo com o entorno social, são mostrados como castrados ou incompletos.

Na época em que Ayn Rand escreveu vigorava nos Estados Unidos o chamado Estado de Bem-estar Social, uma tentativa de “humanização do capitalismo”, em que houve uma maior preocupação social e uma maior cobrança de tarifas e de expedientes no sentido de melhorar as condições de vida das classes mais baixas, sendo esse o peso “acabrunhante” que os empresários e capitalistas teriam que segurar em seus ombros.

Assim como Atlas segurava o céu em seus ombros na Mitologia, Ayn Rand entendeu que os empresários carregavam (injustamente a seu ver) o ônus de “sustentar” os tipos humanos que não eram impessoais o suficiente para empreender seus negócios com a frieza que a “lógica” capitalista exige.

Aguardem, pois em breve sairá mais coisa sobre esse livro, se ele é gigantesco, exige uma resenha gigantesca, ainda há muito a ser dito.