O dia Mastroianni (2007) é o segundo romance de João Paulo Cuenca, escritor carioca nascido em 1978, sendo o primeiro Corpo presente (2003). Antes desses dois livros, ele já havia publicado contos em antologias diversas, geralmente de autores estreantes, inclusive em Parati para mim (2003), conjunto de três contos de três autores distintos (o próprio Cuenca, João Mattoso e Santiago Nazarian) com histórias ambientadas em Paraty (RJ) por ocasião da Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP) daquele ano. Depois de O dia Mastroianni, até o momento ele publicou o romance O único final feliz para uma história de amor é um acidente (2010), integrante da coleção Amores Expressos, e mais recentemente a coletânea de crônicas A última madrugada (2012).

Sua obra ainda não foi muito lida por autores e críticos brasileiros, ao contrário de outros escritores como Daniel Galera e Bernardo Carvalho. Os que elogiaram sua obra (em especial Corpo presente e O dia Mastroianni) ressaltaram sua maturidade literária e seu texto bem elaborado, enquanto que os que o rejeitaram viram pretensão e superficialidade em seus temas. No exterior, houve alguma recepção da obra de autores contemporâneos mais consagrados, como Bernardo Carvalho, mas também de escritores mais novos como Cuenca, cujo O dia Mastroianni se tornou, por exemplo, Una giornatta Mastroianni (2008) em tradução italiana.

Em relação a O dia Mastroianni, pode-se dizer que o romance se trata de “quase uma bobagem, que seria uma completa perda de tempo se não fosse salvo pela linguagem”, como diz Sérgio Rodrigues. Ele diz isso devido ao enredo “banal” da obra, em que os personagens não fazem nada de muito relevante ou atraente para o leitor mais comum. Os acontecimentos do dia no qual se ambienta a trama podem ser resumidos pela definição irônica de “Dia Mastroianni”, paródica de dicionário, que é dada ao leitor antes da narrativa:

Dia Mastroianni – [Exp. Adj.]: Segundo o panléxico, é denominado “Mastroianni” (de Marcello, at. it., 1924-1996) o dia gasto em pândegas excursões a flanar na companhia de belas raparigas, à brisa das circunstâncias e alheio a qualquer casuística. Para o “Dia Mastroianni” clássico, faz-se mister o uso de terno, óculos escuros e, preferencialmente, chapéus. Alguns lexicógrafos ainda incluem em suas definições o compulsivo auto-panegírico, a ingestão de dry martini e/ou gim-tônica, apostas em corridas de cavalos, ligeiras crises metafísicas e a presença em rodas e festas para onde não se foi previamente invitado.

Além disso, há a necessidade de esclarecer que quem “flana na companhia de belas raparigas” é Pedro Cassavas e Tomás Anselmo, os protagonistas. Ambos parecem não ter grandes ligações com o que convencionamos chamar de “vida social”, afinal eles não trabalham nem vivem com qualquer tipo de familiar. A impressão que se pode ter é que o mundo construído na obra existe somente para eles. Na verdade, esse “mundo” parece se tratar de qualquer espaço físico real, existente, mas apenas um misto de elementos os mais diversos que integram a visão dos personagens (ou, mais precisamente, de Pedro Cassavas) sobre a vida alheia à sociedade como conhecemos. Esse Cassavas se vê entre “dândis precoces, escritores sem livros, músicos sem discos, cineastas sem filmes com quem conversávamos por citações de romances inexistentes, flanando sob pontes e mesas de botecos como pândegos muito sólidos, lordes sem um tostão nos bolsos, trocando os dias pela noite e as noites por coisa alguma”.

Lembrar de personagens como Dorian Gray (do Retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde) e Jean Des Esseintes (de Às avessas, de Joris-Karl Huysmans) é quase inevitável ao lermos essas e outras descrições de personagens nesse romance, reflexos de uma geração pessimista e sem grandes esperanças para a vida. Suas relações com os outros são limitadas ou efêmeras, inclusive com as mulheres, que são sempre personagens muito significativas da obra de Cuenca, o que faz com que não criem laços relevantes com a sociedade. Sendo “dândis precoces”, não trabalham nem se esforçam para ganhar qualquer estabilidade profissional ou financeira, o que faz com que seus dias sejam limitados ao caráter de “dia Mastroianni” sempre, gerando uma repetição entediante sem fim. Essas características são as principais desse romance de João Paulo Cuenca, o que o torna muito relevante para se entender o imaginário que permeia a literatura e a cultura atuais.