Em determinado momento de Walachai, a câmera se fixa em uma placa que diz “se queres ser universal, fala da tua aldeia”. A frase de Tolstói resume bem o que a cineasta Rejane Zilles foi buscar no lugarejo do Rio Grande do Sul onde nasceram seus pais.

Walachai é uma comunidade a cem quilômetros de Porto Alegre onde boa parte da população não fala, ou fala mal, o português, onde celulares não pegam, há poucos telefones e nenhuma internet. A distância é de cem quilômetros, mas poderia ser de cem anos.

O documentário é composto basicamente de entrevistas, moradores e nativos do lugar falando sobre suas rotinas, suas experiências, suas expectativas. Por vezes aparece uma narração em off de Rejane, explicando alguma peculiaridade do lugar ou dissertando sobre suas próprias experiências. O formato lembra os filmes de Eduardo Coutinho, mas não há em Walachai o espírito de curiosidade e investigação do cineasta, Zilles parece controlar bem para onde quer que seu filme vá e o que quer que ele diga.

As imagens destacam o ar de século passado do lugar: um casal idoso fala na frente de um fogão a lenha, um ferreiro mostra sua oficina parca, é mostrado uma oficina de fumo artesanal. Ao final, quando um letreiro informa a distância entre o local e a capital do estado aquilo é quase uma surpresa para o espectador que já se imaginava fora do tempo e do espaço reconhecidos.

Esses recortes, junto com os enfoques nas montanhas ao redor reforçam o tempo todo o isolamento do local e sua particularidade. Walachai, segundo um dos entrevistados, significa lugar longínquo em alemão antigo e é essa fábula que o documentário quer contar: a história de um lugar mítico, puro e perdido entre montanhas.

Soa um pouco surpreendente, e condizente com essa aparência de pureza, a unanimidade dos entrevistados: nenhum deles quer sair dali. Uma mulher de meia idade afirma que teve um namorado na cidade, mas descobriu que seu lugar era ali; uma moça que trabalha na roça de dia e faz faculdade à noite diz que quer prestar concurso, mas continuar trabalhando meio período na terra de seus pais. À exceção dos pais da diretora e de um artista plástico (que ainda assim diz voltar a Walachai com bastante frequência) ninguém parece insatisfeito com o isolamento do lugar, ninguém (ou ao menos ninguém cujo depoimento foi usado no filme) anseia por outra vida.

No entanto, se a uniformidade das entrevistas incomoda, o filme ganha força e razão de ser, além da mera curiosidade, quando fala não só de Walachai e seus habitantes, mas de uma questão profunda do Brasil: a imigração e a identidade. Diversos entrevistados declaram, convictamente, que são brasileiros e a maioria deles nada sabe da Alemanha e a língua que falam, no fundo, não é português nem alemão.

O filme toca ainda no momento em que Vargas, com a entrada do Brasil na segunda guerra mundial, decretou que estava proibido dar aulas em alemão, tornando os colonos brasileiros por decreto.

Os habitantes de Walachai são brasileiros porque não são alemães, são brasileiros como meus avós poloneses que, morando no Rio de Janeiro há 50 anos, também não falam português. Não é a história apenas de uma cidadezinha do Rio Grande Sul, mas de todo um país formado por imigrantes, colônias e cujas histórias das pessoas se misturam à história dos eventos mundiais.

É o que torna Walachai interessante, mas infelizmente não é o foco adotado. No final se trata de um documentário interessante, com personagens carismáticos, mas um tanto longo e que trai muito claramente sua vontade de contar uma história.