Diretamente do Musée National d’Art Moderne, o segundo maior acervo de arte moderna e contemporânea do mundo, abrigado no Centro Georges Pompidou, em Paris, o Centro Cultura Banco do Brasil do Rio de Janeiro recebe a exposição Elles (entrada franca), com devastadoras obras de artistas mulheres dos séculos XX e XXI.

Destaca-se a variedade da produção, com desenhos, fotografias, instalações, vídeos e, é claro, pinturas de autoras ao redor do mundo. Logo ao entrar, somos impactados pelo agoniante vídeo em looping da performer sérvia Marina Abramovic, “A arte deve ser bela… a artista deve ser bela…” (1975), que consiste na artista repetindo em inglês essas duas frases do título, enquanto penteia o cabelo diante do espelho de forma rude e doída.

Organizada em sessões, a primeira fase da exposição é das Mulheres do Surrealismo, com vídeos de Eleanor Antin (“O Rei”, 1972) e o lindo quadro de Suzane Valadon (imagem abaixo), “O Quarto Azul” (1923) – ambas as obras, assim como outras ao redor, embora em épocas diferentes, repensando a questão de gênero e discutindo o papel da mulher, mudando paradigmas através de pinceladas e performances.

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O quarto azul (1923)

A segunda parte recebe o nome de O Primeiro Abstracionismo, com destaque à coleção de rabiscos maravilhosamente infantis e coloridos de Sonia Delaunay (“Ritmo Cor”, 1959-1960). Essa parte, bem como as duas outras que se seguem, revelam mais da maturidade da produção de artistas femininas, com avanço das técnicas, atingindo resultados belíssimos.

Na sessão Abstracionismo Excêntrico, temos uma das peças de aço da mineira Lygia Clark (1920-1988), um adorável “Caranguejo”, de 1960. Nessa mesma área, perde-se em jorros de tinta e pura fúria, uma peça sem nome de Joan Mitchell, datada de 1954. Dando lógica ao nome da sessão, Aurelie Nemours expõe sua gigante e vibrante “Cavalo branco” (1972), trabalhando mais uma vez com sua fascinante geometria angustiante, que incita ao mergulho e à loucura.

Dentre tamanha diversidade de artistas que representaram tempos e lutas diferentes e que em comum partilhavam a mística de ser mulher, um nome se destaca nos corredores de Elles: Maria Helena Vieira da Silva (1908-1992), portuguesa de Lisboa que fascina pelas construções fantasmagóricas, que pressupõem cidades sem nunca revelá-las.

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As Grandes Construções (1956)

Seus espectros podem ser vistos em diversos momentos, com um punhado de suas obras nas paredes, todas elas incrivelmente belas – a única recomendação é para que o espectador tenha cuidado para não se prender a uma delas e não ver mais nada a seu redor, porque elas são viciantes.

As outras sessões apresentam vídeos e obras cada vez mais drásticas, pendendo, no final, para o verdadeiro incômodo da agressão (da artista, da audiência e da arte). Pânico Genital, que exibe o “Touch Cinema” (1968) de Valie Export, é um exemplo dessa dor.

Espaços Domésticos e Eventos Corporais, com intensas representações de dor, exploração e abuso, além de Frente a Frente com a História, que exibe o “Bambolê Farpado”, (2000) de Sigalit Landau são, em sequência, as salas que completam as instalações de Elles.

Por fim,  vale ressaltar a presença de “O Quadro” (1938), um dos autorretratos de Frida Kahlo, a Friducha, que recebe destaque entre as obras por sua pulsão de vida, pulsão de arte, enfim, pulsão de alma feminina.

Elles vem recebendo um bom público, com destaque, felizmente, ao interesse feminino pela arte de suas pares, embora o impacto das obras também seja imenso sob os homens. A exposição, sob curadoria de Emma Lavigne e Cécile Debray ficará no CCBB – Rio até 14 de julho.