Sai nesta terça-feira o novo título da coleção “Amores Inexpressivos”, que bancou jovens ficcionistas em temporadas de pesquisa por diversas cidades do mundo. Agora é a vez de Encontrei meu grande avô em Seropédica, do escritor mineiro Nuno Mascarenhas, vencedor do prêmio Maitê Proença de Literatura e publicado em edição independente do autor.
Trata-se de uma novela polifônica e ambiciosa, que dialoga com a memória e a culpa num duplo movimento narrativo, evocando os fluxos internos de consciência do narrador na melhor tradição introspectiva da literatura pós-clariceana.
A trama se concentra em Fátima, uma jovem operadora de caixa de supermercado que decide sair em excursão pelo mundo em busca de suas raízes, mas só tem dinheiro para chegar até Seropédica (RJ). Abandonada na infância pelo pai, pela mãe e pelo avô, Fátima julga ser herdeira de uma proeminente cadeia de lava-rápido, o que prova ser um delírio de grandeza absolutamente injustificado e que inclusive escapa de maiores elaborações (e menções) no restante do livro.
Sem dinheiro e perspectivas, ela vaga pela cidade em busca de emprego. Logo conhece Orestes, um impetuoso empacotador de verduraria que convence Fátima a gastar seus últimos centavos jogando na quina.
Ainda que não tenha sido sorteada, ela acaba se apaixonando por Orestes e arruma uma vaga num pensionato na região de Vassouras.
O restante do livro conta, em detalhes, a saga diária da heroína, que gasta aproximadamente 2 horas por dia a bordo de um ônibus intermunicipal, enquanto aproveita para analisar sua sofrida história familiar. Há um capítulo inteiramente dedicado aos sons do ambiente: um bebê chora na fileira de trás e um senhor gordo decide cochilar em seu ombro, ressonando ruidosamente. Por meio de extensos e palavrosos monólogos interiores, Fátima percebe que não gosta muito de Orestes, pois este, além de deixar a desejar em matéria de beleza, dá um baita azar para o Vasco, mas decide que ainda assim continuará com ele. A narradora não revela textualmente, mas percebemos que Orestes é um substituto perfeito para o avô ausente de Fátima. Lá pelas últimas páginas descobrimos que, além de feio e azarado, Orestes é velho.
A trama termina com uma despropositada descrição da quermesse local, em que o casal acumula uma pequena fortuna na barraca da pescaria (R$ 33,74) e decide ir até Miguel Pereira só para jogar sinuca.
Ainda que bem intencionado, o autor peca pela excessiva adjetivação, pela desnecessária abundância de advérbios terminados em -ente e revela, além disso, um desconhecimento absoluto das regras de concordância verbal. Também sua caracterização dos personagens é falha, a ponto de muitas vezes chamar Orestes de Nuno, confundindo o personagem consigo mesmo.
Em suma, mais um título significativo da coleção “Amores inexpressivos”, que promete emplacar até o fim do ano outros dois romances: Tardes de pupunha, de Silas Linhares, inspirado na cidade de Nova Iguaçu, e A saga de Josef, o anão, de Barcos Lopes, uma homenagem a Pirenópolis.
Os prefeitos dos respectivos municípios prometem recorrer.
Sobre o colaborador: Vanessa Barbara nasceu em 1982, é jornalista e escritora. É colunista do International New York Times e da Folha de S.Paulo. Publicou o romance Noites de alface (Alfaguara, 2013), a graphic novel A máquina de Goldberg (Quadrinhos na Cia., 2012, em parceria com Fido Nesti), o livro-reportagem O livro amarelo do terminal (Cosac Naify, 2008, Prêmio Jabuti de Reportagem), o romance O verão do Chibo (Alfaguara, 2008, em parceria com Emilio Fraia) e o infantil Endrigo, o escavador de umbigo (Ed. 34, 2011). É também tradutora e preparadora da Companhia das Letras.
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Apenas: <3
(Me comunico com corações porque o meu amor por essa autora não tem nada de inexpressivo. Eu vou lá e expresso e quero ver quem é que vai se intrometer por achar ruim e de péssimo tom.)
Não sei, acho que você foi muito simplista, Barbara. Se você tivesse acompanhado a produção literária desde o princípio, como nos contos dele da Voz do Comércio de Andrelândia, teria visto que esse phase out do personagem/phase in do autor revela a progressiva entrega autobiográfica que ocorre na medida em que o escritor se deixa imergir no fluxo produtivo, num processo heraclitiano.
Outra coisa, não dá para deixar de lado as referências. Como mostrou Robert Graves, Orestes se refere ao rituais primitivos que introduziram o patriarcado grego. Ora, se ele é capaz de seduzir Fátima – obviamente uma referência à filha mais diligente de Maomé – é porque a sociedade moderna, por trás de véus penitentes, perpetua os mesmos esquemas hierárquicos, o que marca a sua mediocridade. (Embora a autorreferência elogiosa em contraposição ao “Ulisses” seja realmente um exagero rsrs)
Discordo de tudo o que foi dito. Ao contrário de fazer graçolas em matéria de literatura, esta pândega devia estudar um pouco mais de filosofia do argumento ontológico, em suprimento do acanhado poder de raciocínio. Ademais, este blog devia precaver-se contra a estultice alheia incluindo um asterisco admonitório para precaver os leitores e desencorajar futuras resenhas deste naipe.
Bom mesmo é quando a resenha é feita só de elogios. Mas quando não acontece isso, pelo menos ela pode servir para despertar a curiosidade nos leitores. Como é possível ter acesso ao livro citado na resenha?