Comprei um relógio de parede. O que quero dizer é que comprei a foto de um relógio e pendurei na minha parede. Não gosto de relógios de pulso. A sensação de necessidade, e ansiedade, de olhar a cada 17 segundos para o pulso é sufocante. Os relógios de bolso modernos, chamados vulgarmente de celular, são outra forma de vício assombroso; você tateia o bolso e de soslaio olha os numerais digitais, depois volta os olhos para a pessoa à frente, que, claramente, fez o mesmo gesto para demonstrar que é muito mais interessante espiar a tela de LED – o famigerado “cristal líquido” – do que ouvir a história entediante sobre aquele sujeito do trabalho.
Comprei esse relógio de parede estático. Ele não me diz as horas, mas passo horas a encará-lo e é amedrontador como seus ponteiros imóveis me causam náusea como se eu não pudesse me locomover, como se estivesse preso naquele momento em frente ao quadro de um relógio. A foto não é bonita, faltou talento para o ângulo, há muito ruído, e por ser tão imperfeita é tenebrosa e real. O relógio que não anda, que não me comanda. As horas que não passam, nem devagar nem voando. As vinte e quatro horas invencíveis, paralisadas e involutivas. Sem tic-tac.
Sentar-se num banco, em Estocolmo no inverno, e esperar a sem tempo, a sem pressa, a sem face, a sem vida. A falta de tempo. A perda de tempo. Eu era a perda em pessoa.
E antes que pensem se esse é um relato surreal, onde, de maneira inesperada e com um suspense chulo, os ponteiros começarão a se mover, enganam-se. Eu parei de me mover. De me perder. Fiquei estático. O tempo deixou de existir para mim. Hoje não sou. Tic Tac.
Isak Borg (eu uso um colar com relógio de bolso, do tipo antigo, às vezes)
Inveja branca, eu tenho, de quem tem esses colares com relógios.
Legal é o ser humano ter inventado o relógio e ser subjugado por ele.
Nem me fale, Luciano. Horários e programação me escravizam desde que aprendi a ler as horas.
Mas não se preocupe! Essa relação de escravidão para com o relógio (que me parece muito com uma ligação escravo/capitão do mato, sendo que o relógio é o capitão) já nos é concedida desde nossa nascença. A partir do instante em que deixamos de lado a inexistência, parece que recebemos uma verdadeira “tatuagem” feita pelos ponteiros do relógio, que nos indicam desde o marco zero quem vai comandar nossa vida. Já nascemos em uma hora exata de um dia, e daí pra frente é só seguir os ponteiros.
Abraço
Talvez o que você precisa seja enxergar os relógios por outra perspectiva, como aquela de Jason Compson em “O Som e a Fúria”:
“Dou-lhe este relógio não para que você se lembre do tempo, mas para que você possa esquecê-lo por um momento de vez em quando e não gaste todo seu fôlego tentando conquistá-lo”.
Boa, Matheus. Talvez o que eu precise não seja um relógio, mas terminar “O Som e a Fúria”.
Um abraço.
Valeu a dica, Matheus! Tempos atrás fiquei tão encucado com a passagem do tempo que resolvi escrever um livro a respeito disso. Vou atrás de “O Som e a Fúria” conferir se tem outras passagens tão boas quanto a citada!
Abraço