São tantos os dramas dos adolescentes da classe média que demorei um pouco para descobrir que tudo que eu desejava era um cavalo. Nem queria saber como era viajar de avião, não me importava em parcelar tudo em dez vezes e achava OK ter que comprar sempre o iogurte mais barato. Eu só queria um cavalo.

Não para cavalgar aos finais de semana, tipo hobby de gente que não é diferenciada, mas para ser meio de transporte. A verdade é que queria chegar na escola trotando e, enquanto os outros meninos passavam cadeado nas bicicletas, eu amarraria meu cavalo com um nó de porco e entraria três minutos atrasado na sala para encher um balde de água.

“Desculpe, professora, é que eu estava abastecendo o meu cavalo, não sei se você já o viu ali fora”, diria todos os dias, sem falta, ao me dirigir para a carteira no fundão. No recreio, o bicho ameaçaria todos que tentassem afagá-lo, aceitando apenas a mão de seu fiel cavaleiro, o que formaria diante de nós um pequeno grupo que, sem poder interagir com a fera, precisaria se contentar em assisti-la mascando cenouras.

Quando soasse o alarme da saída, todos correriam para ver o espetáculo que era o cavalo me esperando ajoelhado. Depois de montar em pelo e dar um tapinha amigável em seu pescoço, ele empinaria, relinchando e balançando as patas, para disparar em galope. Para trás, eu deixaria o restante da turma boquiaberta, que, aos poucos, tomaria coragem para disfarçar a inveja: “mas nem tem ar-condicionado”, “não dá para botar CD”, “esse cavalo não dá cavalo de pau”.

Nas ruas, brigaríamos com os motoqueiros pelo direito de costurar os carros e furar o trânsito. Não haveria ninguém na cidade que ousasse buzinar contra nós e, se os 700 cavalos do motor da Ferrari bufassem contra o meu, a questão seria facilmente resolvida com um coice. Eu desfilaria pelas ruas, acenando para toda criança com a cara de besta grudada no vidro do carro.

Como seria mais fácil a minha vida inútil de adolescente se tivesse um cavalo. Para a insegurança e a vergonha, galope; para o medo, relincho; para a namoradinha, garupa; para o azar, ferraduras; para os valentões, coice; e, para todo o resto, um rabo levantado e… ploft. Doses cavalares de ploft, ploft, ploft.

São os sonhos da juventude. Cada jovem iludido com os seus. Pena que a gente cresce, o mundo gira e precisamos esquecer tudo. A não ser que você, como eu, tenha comprado um cavalo.