Em 2006, com Cassino Royale, o ator inglês Daniel Craig surpreendeu a crítica mal disposta com sua escalação e entregou um novo James Bond numa interpretação segura e cheia de novos elementos, com mais força física e uma seriedade condizentes com os novos tempos, superando o artificialismo de Pierce Brosnan, seu predecessor.

Vivendo o sexto 007 da franquia, o ator engatou filmes de sucesso que recolocaram o agente secreto no centro dos grandes personagens de ação e espionagem, ao lado de Jason Bourne e Ethan Hunt, heróis já nascidos nos novos tempos, numa era dominada pela tecnologia e menos dada a floreios e charmes do que nos tempos de Sean Connery e Roger Moore.

Apesar de uma escorregada em Quantum Of Solace (2008), em 2012, com 007 Operação Skyfall, o personagem de Ian Fleming reascendeu como uma árvore de Natal, conquistando um sucesso de púbico e crítica como, pode-se dizer sem exageros, nenhum dos outros filmes da franquia (até então vinte e dois) havia conquistado. Foram mais de US$ 1 bilhão arrecadados nas bilheterias, dois Oscars (música tema e edição de som) e mais de sessenta outros prêmios internacionais1. De fato, a chegada de Sam Mendes, o premiado diretor de Beleza Americana (1999), trouxe um novo estilo e a agilidade necessária à continuidade da história. Aliado ao roteiro inspirado da trinca Robert Wade, John Logan e Neil Purvis e ao sucesso da música tema de Adele, o vigésimo terceiro filme da série foi um retumbante sucesso.

Sendo assim, não surpreende que a continuação de Skyfall tenha sido aguardada com tamanha ansiedade pelos fãs e interessados ao longo desses três anos de realização. Mantendo o mesmo diretor e a equipe de roteiristas (com a adição de Jez Butterworth), esse novo filme gerou ainda mais especulação quando anunciaram que o enfoque finalmente recairia sobre a organização Spectre, comentada en passant ao longo de outros filmes do 007 como ocupando um papel central para o entendimento do universo do personagem. A partir daí, começaram as especulações sobre a abordagem que a Spectre receberia no novo roteiro e como os acontecimentos dos quatro filmes anteriores seriam amarrados, levando ao fim da “Era Daniel Craig” como o agente inglês, que chegou a afirmar que preferiria “cortar os pulsos a viver Bond novamente”.

Porém, aparentemente os roteiristas não acharam uma boa ideia colocar Bond numa posição frágil e ainda traumatizado pelos acontecimentos do último filme, com a morte de M (Judi Dench) e o ataque à MI-6, evitando um aprofundamento sentimental como aquele tão bem construído em Cassino Royale no envolvimento com Vesper Lynd (Eva Green), a melhor Bond Girl dessa nova fase. Assim, infelizmente, Bond aparece já um pouco desconectado dos episódios de Skyfall, embora o detonador da trama ainda tenha ligações com esse passado.

A partir daí, notamos uma serie de más escolhas e fragilidades escancaradas na nova história, que parece ter se perdido na abordagem e no direcionamento que pretendia dar a Bond, para cair numa trama genérica e decepcionante. Ainda há resquícios das tramas pregressas, isso não podemos negar, o mais evidente deles está personificado em Mr. White (Jesper Christensen), ou “O Rei Pálido”, que havia sumido desde Quantum of Solace. O problema é a forma e a intensidade como abordam a tão aguardada Spectre e a relação dessa sinistra organização com os eventos passados.

Faltou entusiasmo para contar essa história. Mais para escrevê-la, do que para dirigi-la, na verdade, porque Sam Mendes ainda consegue fazer um bom trabalho, montando uma mise-en-scène que reproduz a elegância e qualidade condizentes com James Bond. A cena de abertura, uma recriação da celebração mexicana do Dia dos Mortos, é de uma beleza impressionante. Porém, ora arrastada demais, outras vezes acelerada de uma forma confusa, essa história nunca chegar a lugar nenhum. Diante de um roteiro vazio, o espetáculo cênico e visual oferecido pela produção faz esse filme por vezes parecer mais com um catálogo de moda, nas belíssimas roupas das personagens posando em cenários lúgubres, do que num filme de ação.

Personificando o grande vilão da trama, Christoph Waltz entrega um resultado estável como sempre, porém sem grandes surpresas, prejudicado também por um personagem bastante fraco. Assim como a Spectre, que na teoria (e na abertura, ao som da maravilhosa música tema assinada por Sam Smith) deveria ser um polvo quase inabalável, com seus tentáculos por toda parte, na prática apresenta-se um tanto quanto monótona.

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Bond Girls: Léa Seydoux (à esquerda) e Monica Bellucci. Mais uma vez, as mulheres sub-representadas na franquia Bond.

Por fim, tendo a italiana Monica Bellucci e a francesa Léa Seydoux como Bond Girls, sendo a primeira, com 51 anos, a mais velha a ocupar o papel, as histórias de 007 nunca conseguem dar um destaque honesto, respeitoso e útil às mulheres na trama. Mais uma vez aqui, a despeito de vez ou outra elas darem uns socos ou dispararem uns tiros, elas são as pobres coitadas, tapadas mesmo, à espera da salvação vinda do varão inglês. Esse desconforto perante ao papel das mulheres em suas tramas só continuam se evidenciando com o passar do tempo e deixam o personagem ainda mais quadrado e anacrônico do que sempre foi, agora incomodando inclusive os atores que encarnam o agente, como manifestou Daniel Craig em uma entrevista recente em que afirma de Bond “é realmente um misógino”, ou Pierce Brosnan que disse ter “chegado a hora de termos um James Bond negro ou gay”.

Mas as resistências contra um necessário progresso do personagem estão arraigadas até as raízes do personagem e o que não faltam são conservadores dizendo que mudar essas características seria despersonalizar Bond de sua essência. De fato, essas marcas preconceituosas vêm desde seu criador, o escritor Ian Fleming, que em uma carta divulgada recentemente deu indícios de uma vergonhosa homofobia. Infelizmente, essa intolerância parece ter se perpetuado: Anthony Horowitz, autor dos livros mais recentes da trama, diante da especulação de que o ator inglês e negro Idris Elba poderia ser o próximo a interpretar o agente, disse que a escolha não seria muito acertada, porque Elba teria um jeito muito “das ruas” para viver o agente a serviço da Majestade inglesa.

Assim, a Era Craig como James Bond se encerra (se de fato se encerrar) com muitos fatores positivos, alguns dos quais não eram vistos há tempos, outros que nunca antes vistos ao longo da franquia. Certamente passagens icônicas, tramas bem construídas e músicas fantásticas ficarão na memória dos aficionados pela série. Por outro lado, Bond chega aos cinquenta e três anos diante de desafios da contemporaneidade e terá de lutar muito para não ficar atrás dos outros nomes do cinema de ação.

  1. Fonte: IMDB.com