a-hora-da-estrelaA hora da estrela conta a história da datilógrafa alagoana Macabéa, que migra para o Rio de Janeiro, tendo sua rotina narrada por um escritor fictício chamado Rodrigo S.M. O livro possui duas temáticas: é uma obra sobre a vida de uma retirante na cidade grande, mas também uma reflexão sobre o papel do escritor na sociedade moderna. É talvez o romance mais famoso de Clarice Lispector, sendo adaptado para o cinema por Suzana Amaral em 1985, por causa dessa importância e magnitude, trazemos opiniões de nossa equipe.

Liv: Clarice Lispector criou a personagem mais antagônica possível. Não é bonita, não é inteligente, não é esperta, não é ambiciosa. Macabéa te irrita mas ao mesmo tempo te dá pena. Ela é tão ingênua, que você fica com vontade de protege-la do mundo. Por que sim, o mundo pode ser maligno para quem vive a dois passos do chão como ela. Todo o charme dA Hora da Estrela, é que ele fala de sentimentos. Todo mundo tem um pouco de Macabéa. (mesmo alguns não admitindo isso nem sob tortura).Amélie: Você , com certeza, já viu, nos ônibus, nas ruas, nas filas de orgãos públicos, pessoas com cara de desgraça… É mais do que um “comeu e não gostou”, muito pelo contrário, com cara de “nunca provou, e não sabe o quanto é bom”! Um jeito sofrido, de quem, em hipótese alguma, teria outra chance na vida. Bem, essa pessoa ainda será mais bem venturada do que a protagonista dessa história, a Macabéia. Só em uma trama, de sofrimento inigualável, ela poderia ser a primeira. A começar pelo narrador, um experimentador da compaixão pela anti-heroína inexpressiva, amorfa, sem sal ou açucar. Nem ela sabe que é tão repulsiva, e demonstra que até a ignorância tem a sua beleza. Para quem não gosta da realidade, é melhor nem chegar perto de “A Hora da Estrela”… Dizem que um dia é da caça e outro do caçador, quem sabe o destino não pode dar um empurrãozinho?

Pips: Clarice chegou ao ponto máximo de sua genialidade invertendo os papéis de sua jornada literária. Primeiro a autora deixa de lado uma maneira mais rebuscada e hermética de escrever, depois cria um conflito entre seus personagens principais, o narrador Rodrigo S.M. espelha sua existência interior no exterior de Macabéa e o choque entre os dois, Rodrigo é escritor, Macabéa “datilógrafa”, ambos procuram na palavra escrita um ganha pão. Entretanto, o escritor tenta achar nas palavras, entrelinhas necessárias para expressar sua angústia, enquanto sua personagem admira palavras sem conhecer seus significados, logo, ignorando a razão de sua vida. O amor pela palavra, pela significação é o que torna a jornada de Macabéa um risco de felicidade mórbida por não encontrar, até o último minuto de suspiro uma razão de existência. Nessa obra Clarice nos guia entre às sombras de vivermos escondidos, calados e invisiveis, tornando-nos anti-heróis de nossas vidas até o momento em que chega a hora da estrela.

Tiago: Talvez, e o que me surpreende mais, é a falta da palavra “violência” quando falamos deste livro. Esse livro é pura violência, no sentido que de fato conferimos a essa palavra hoje: no seu ângulo mais banal. O que mais nos fere (o que deveria nos ferir, se é que isso ainda é possível) não é a morte de Macabéa – é o fato de que ainda é “época de colher morangos”, como lembra o narrador ao fim do livro. Não temos o direito sequer de chorar por ela, porque tal choro seria hipócrita, seria o mesmo choro que derramamos por uma estrela de cinema que interpreta uma pobre desgraçada (porque, para nós, os pobres apenas interpretam o seu papel, assim como interpretamos o nosso lamento por eles). Clarice é uma escritora malvada, que não permite nenhum espaço para comoção ou piedade. Mais malvada que ela, só o leitor, que é o seu modelo para a maldade.

Anica: Você pode ler A Hora da Estrela de duas formas. A primeira é a mais óbvia, focando na história de Macabéa personagem apático que nada faz para mudar o próprio destino. A outra é das dificuldades do autor-narrador em criar uma história, incluindo aí as personagens. Lispector consegue passar a agonia do narrador-personagem, que cria sua Macabéa e sabe que não existirá outro destino para ela que não o que vemos no final. É um exercício literário fantástico, em alguns momentos até inovador e por isso mesmo merece uma leitura que não seja a imposta pela professora de literatura, mas por puro prazer.

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