enfermidadeAlgum tempo atrás o Tiago escreveu um artigo para o Meia, chamado ‘Literatura em tempos de gripe‘, em que ele discutia o papel da doença na literatura. Já àquela época eu tive a idéia- um tanto pretenciosa talvez- que estou colocando aqui de modo simplificado: o papel da literatura não apenas na doença, mas como doença.

Literatura terminal

Em ‘La velocidad de las cosas’ Rodrigo Fresán menciona várias vezes uma doença que matou todos os escritores e, depois disso, foi para os leitores, de modo que o simples ato de se abrir um livro acabou sendo abandonado por ser perigoso. Apenas a auto-ajuda foi poupada.

Acredito que essa doença seja a própria literatura. Um tanto exagerada nesse caso, por força de questões narrativas. Mas seu capaz de citar mais de um exemplo em que a literatura poderia facilmente constar como causa mortis, no atestado de óbito.

Jacques Rigaut foi um escritor dadaísta, que à sua época teve relativo destaque e foi ligado a nomes como Tzara, Duchamp, Cendrars e Man Ray. Mesmo com livros bastante recomendáveis, Rigaut foi relegado a nota de rodapé. Sua última obra provavelmente foi a culpada disso. Sua última obra foi um tiro sobre o próprio coração, milimetricamente calculado com a ajuda de uma régua.

Rigaut morreu aos trinta anos, em 1929. Sete anos antes já anunciava sua morte, pois dizia que o maior dos pemas possíveis era o suicídio. Ou seja: sua morte foi seu opus magno literário.

Lembro-me ainda que Claude Guillon e Yves Le Bonniec em seu ‘Suicídio: Modo de Usar’ mencionam um escritor- não lembro, porém, seu nome- que ao terminar um de seus livros suicidou-se para que sua obra sobrevivesse ao tempo. Inicialmente conseguiu, mas o livro foi esquecido por ser considerado ruim.

Literatura sintomática

A literatura, porém, nem sempre é algo tão terrível. Quero dizer: ao menos ela nem sempre acaba em morte.

A figura do escritor maldito é um clichè: bêbado, torturado pelos seus demônios, enlouquecido. Esse clichè, entretanto, foi comprovado cientificamente. Em 2001 o psicólogo James C. Kaufman publicou um estudo que definia o ‘Efeito Sylvia Plath’- dizendo que os escritores criativos são mais propensos a probelmas mentais do que o resto das pessoas. Resta saber quem nasceu primeiro: a doença mental ou o ato de escrever.

Literatura a partir da doença

Uma outra classe de escritores é a dos que sofrem de alguma enfermidade física, e usam a literatura para lidarem com isso.

Um exemplo ótimo seriam- não fosse o fato de terem sido suplantados pelos diários de seu médico devido a sua qualidade textual duvidosa- os diários de Joseph Merrick: suas deformidades terríveis impediam que tivesse uma vida plenamente humana, então ele escrevia para diminuir a agonia de ser o ‘homem-elefante’.

De modo menos intenso, mas mais literário, temos Blaise Cendrars e seu braço amputado: perdeu seu braço na guerra e dedicou um livro à experiência.

Roberto Bolaño

Os leitores de Bolaño certamente perceberam a semelhança de títulos. Claramente intencional.

Quando escreveu ‘Literatura + Enfermidade= Enfermidade’, Bolaño estava às voltas com seu problema hepático, cada vez pior. Todos os dias, no entanto, ele parava de braços esticados e as mãos voltadas para cima, verificando se conseguia manter os dedos esticados ou se sua doença mostraria estar avançando para os últimos passos.

Não sei como foi o dia em que Bolaño viu seus dedos dobrando-se involuntariamente. Não sei o que escreveu nesse dia, mas é certo que, se teve forças, escreveu e fez sexo. E depois organizou tudo que escreveu para que sua obra sobrevivesse a sua doença. Mas Bolaño não queria ser imortal. Queria simplesmente deixar algo para sustentar seus filhos.

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