Quando se fala em música brasileira, a primeira coisa que nos vêm à cabeça é a MPB, com a Bossa Nova, ou talvez a Jovem Guarda com o iê-iê-iê que estourou nos anos 60, e o Tropicalismo. De qualquer forma, o registro desses movimentos sempre nos é apresentado de forma fortemente ligada à história política brasileira: existia a música dos engajados e contra a ditadura, existiam os alienados e os que tentavam sintetizar isso tudo. No meio de tanta novidade musical e busca por um estilo a se seguir, um importante movimento parece ter sido deixado de lado (não na época em que surgiu, mas sim depois, ao ser relembrado nos livros de histórias e mídias). Quem não tem swing morre com a boca cheia de formiga, livro de Gustavo Alonso publicado pela Record, pretende resgatar a memória popular da Pilantragem e de um de seus maiores representantes: Wilson Simonal.

A Pilantragem é um gênero que surgiu com de uma grande influência no jazz americano e o boogaloo latino. Como define a contracapa do LP “Pilantraia com Carlos Imperial e a Turma da Pesada”, o gênero é uma “batida de samba e molho de iê-iê-iê”. A Pilantragem, assim como a Jovem Guarda, ficou conhecida como música dos alienados políticos. Os pilantras buscavam comunicação com as massas e ritmos dançantes, visando sempre o sucesso comercial. As letras podem algumas vezes remeter às cantigas de roda e folclore, como é o caso de “Meu limão meu limoeiro”, em outros momentos falam sobre mulheres, carros e estilo de vida do músico da pilantragem, como é “Mamãe passou açúcar em mim”, ambas interpretadas por Simonal. Para os pilantras, as letras não precisavam ser rebuscadas, mas o intrumental deveria ser impecável.

No livro, os capítulos ímpares são dedicados a uma biografia da vida de Simonal, ressaltando importantes shows e momentos da vida do músico que se tornou um grande showman brasileiro. Os capítulos pares procuram entender os motivos que levaram Simonal a um certo ostracismo musical, além de levar fama de “dedo-duro do regime” a partir dos anos 80. O autor não tenta proteger Simonal, mas sim mostrar que a História foi feita por pessoas que eram contra a ditadura, os que eram a favor e os que não se importavam ralmente com a situação política do país.

“Quem não tem swing morre com a boca cheia de formiga” é também o nome de um dos discos do músico, já com toda a cara da Pilantragem. Simonal, no entanto, começou a carreira na Bossa Nova e foi, aos poucos, acrescentando referências e instrumentos no seu repertório, ficando por algum tempo a circular livremente pelos gêneros da MPB. O músico queria, mais do que tudo, ver as pessoas dançarem. Não se preocupava em incorporar a cultura americana em suas músicas e banca: tudo era uma reinvenção.

Porém, o que acontece na década de 70 é o ostracismo musical do showman. Simonal passa a ser praticamente esquecido pela mídia que um dia tanto o venerou. Sua fama passa a ser de apoiador do regime e “dedo-duro”. Esquecido, ele nunca mais retornaria ao sucesso de anos anteriores, e morreria no dia 25 de junho de 2000. Simonal nunca escondeu sua simpatia pelo regime, como mostra o trecho a seguir: “Aquelas músicas que eu gravei – “Brasil eu fico” e “Que cada um cumpra com o seu dever” – não são músicas comerciais, são músicas nativistas. (…) O Brasil durante muito tempo foi desgovernado, a administração foi má, todo o esquema era devagar, não era funcional.” Fora o apoio nas músicas, o cantor também sofreu um processo em que fora acusado de ser informante do Dops.

Com tudo isso, “Quem não tem swing morre com a boca cheia de formiga” torna-se uma leitura importante e preciosa para aqueles que se interessam pela história nacional e da música. O livro é um resgate dos ritmos que surgiram a partir dos anos 60 e que até hoje influenciam artistas e músicos. Muito mais do que mostrar a Pilantragem, a obra contextualiza o leitor entre outros estilos musicais, culturas e momentos em que a sociedade brasileira enfrentava, além de revelar qual caminho cada gênero seguiu através das décadas. Vale lembrar que o livro acaba de ser lançado em sua primeira edição como resultado do mestrado do autor e historiador Gustavo Alonso, que não chegou a viver a época de ouro da Pilantragem, e que talvez por isso mesmo ele tenha esse tom de resgate, sendo um ponto de vista atual sobre um momento passado da história.

Gustavo Alonso escreveu muitas páginas do livro escutando a obra de Simonal. Para ler o livro, eu fiz a mesma coisa, e passei não só pelo cantor, mas também por Carlos Imperial, Chico Buarque, Caetano Veloso, Tom Jobim, Jorge Ben, Brigitte Bardot, Stevie Wonder (e outros tantos citados no livro). O mesmo aconteceu na hora de preparar essa resenha e é essa a minha principal recomendação: leia não apenas lendo, mas também ouvindo, que a experiência será muito melhor.

Páginas: 476

Preço: RS49,90

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