Meu curso acabou na sexta-feira, dia 28/10 (coincidência ou não, é aniversário do meu pai – coincidência ou sim, ele estaria há duas horas de NY em um lugar chamado Hartford), com apresentação de “gala” do último filme de cada diretor da sala (todos eram diretores). O último filme que dirigi recebeu o título “Don’t Stop ‘Til You Get Numb”, referência a “Os Infiltrados” de Martin Scorsese, em que uma viciada em heroína está a espera de seu traficante após meses de abstinência. A verdade, vos digo sem vergonha, é que a ideia original teve de ser cortada devido a falta de locação, sumiço do ator e porque cada um da minha equipe queria trabalhar sozinho no final de semana que tinham disponível para captar. Arranjei outra crew formada por Shagun, Alex (da Flórida e atriz em potencial), Patrícia e Tereza (parte da minha equipe original que esbarrei na sala de equipamento antes de ir a locação). As filmagens tomaram sete horas do dia e tudo terminou bem. Com uma edição cheia de jumps e uma música clássica húngara mixada com 2+2=5, o filme foi recebido calorosamente pelo público de 17 pessoas (13 da nossa sala e os convidados de Dave Diaz, um dos alunos). Nesse dia de São Judas Tadeu recebi meu diploma de conclusão de curso, comemorei com os amigos de várias partes do mundo e parti para Hartford (na verdade Burlington, onde moram os meus tios), em Connecticut, para comemorar o aniversário do meu progenitor.

Como toda boa história de férias, começou a nevar assim que deixei a Grande Central Station em direção a New Haven (cidade a uma hora e dez minutos de Burlington). Na estação de New Haven, perto de Yale, a neve já tomava conta de grande parte da região – no rádio anunciavam ser a pior nevasca desde 1984 (e um pouco adiantada, aqui só começa a nevar em Dezembro). Após uma batalha para conseguir um táxi para me levar até meu destino, estava tudo certo: desejei parabéns para meu pai, recebi um abraço caloroso da minha irmã e um caloroso oi dos meus tios Olga e Richard e seus filhos, Alan e Audrey. Um retrato excitante para um fim de semana que tinha tudo para dar certo. Tudo.

As luzes começaram a piscar por volta das seis da tarde. Patricia me enviou uma mensagem, pois eu havia prometido levá-la ao aeroporto e pelo menos me despedir – sim, prometemos coisas nos momentos mais estranhos da vida humana: formatura, bebedeira com recém-amigos ou um num relacionamento recém-terminado (“Vamos ser sempre amigos, não importa o quê”) -, afinal nunca sabemos quando poderei pisar em Israel, porque um carimbo de lá no meu passaporte e o mundo árabe fecha as portas. Enquanto isso, eu tentava resolver metade das coisas que tinha deixado pendente no Meia Palavra. Ao descobrir que meu sistema operacional precisava de um update para eu utilizar novos recursos, resolvi fazer o download e esperar a instalação. Quando a barrinha azul finalizou e eu abri o Chrome para voltar as tarefas, as luzes não piscaram – apagaram. O aquecedor desligou. A água não funcionava nem para descarga. Toda a cidade, para não dizer quase o estado, estava apagada em razão de árvores em fios de alta tensão. Richard é um Eagle Scout, maior patente dos escoteiros americanos, e ex-militar (não sei a patente) e logo quando tudo se apagou ele agilizou para conseguir o propano, o pequeno fogão portátil, a lenha armazenada, tudo guardado desde o furacão Irene.

Sem a tecnologia disponível, minha madrasta e minha tia ficaram desesperadas sem poder entrar no Facebook, os telefones não funcionavam para a sogra do meu pai ligar para o marido dela, as crianças não poderiam assistir XSPB 234, enfim, a distopia da modernidade em meio a fúria da natureza – as partes mais leves do livro do apocalipse. Grande parte da população na casa dos Boreks ainda conseguia alimentar esperanças ao ter 10% da bateria dos seus iPads e iPhones para ler as notícias através do mural dos amigos. Enquanto isso, eu me divertiria por quatro horas jogando Banco Imobiliário com Richard e o intercambista-coreano-e-faminto Sheldon (cujo verdadeiro nome lembra uma mistura de Myspace com Samsung). No dia seguinte, retirar neve da frente da casa, pegar neve para usar como água para lavar a louça e para usar como descarga. Após isso, servi de sidekick para meu tio e partimos para conseguir mantimentos, Burlington é quase uma cidade do interior, ou seja, imagine grande parte da cidade sem os semáforos, pessoas desesperadas indo para hotéis – chuveiro quente e internet são essenciais para cada um, tentando abastecer os carros e comprando serras-elétricas.

Na segunda-feira todos estavam desesperados por um banho quente e a solução encontrada era dirigir, e no caminho o caos estava instalado nos Drive Thrus que ainda funcionavam até a casa do pai de Richard. A famosa ducha militar fez com que todos os participantes tomassem um banho de quatro minutos e meio. Eu ainda precisava voltar para New York e me despedir da Patricia e na terça de manhã teria que pegar uma amiga no aeroporto – num vôo direto de Seul. Liguei para a companhia de táxi – uma espera de mais de duas horas – para me levar a estação de New Haven (por lá era como se a neve não tivesse existido). Perdi o primeiro trem e tive de esperar mais uma hora por outro. Antes de partir, enquanto me acomodava num assento, um jovem foi retirado do vagão e levado pela polícia. Não entendi o motivo até perguntar para a mulher que sentava a minha frente. Absurdo ou não, é estrimamente proibido escrever seu nome ou qualquer outra coisa em assentos ou mesas públicas sem prévio aviso – e se fizer isso são três meses de prisão. A mulher que me deu a útil informação se chamava Lucia, cachos loiros e olhos azuis, e é doutoranda em antropologia sobre a mídia… no Brasil. Por uma hora ela contou sua experiência de morar no Rio de Janeiro, de como é díficil ser professor ou palestrante nos dias de hoje – em que todos os alunos pensam saber mais do que qualquer pessoa só porque pesquisaram um assunto no Google (o que só prova minha teoria, já escrita por alguém provavelmente, que essa é a era da informação mas não do conteúdo) – e sobre a cidade de New York.

Para encerrar o final de semana, me encontrei com Patricia e Daniel para tomar umas cervejas na noite de Halloween, na verdade o fim da noite, e consegui ver diversos personagens andando de metrô e táxi pela cidade, bateu aquela tristeza de não ter conseguido aparecer em nenhuma das festas que eu tinha planejado (vestido de Lanterna Verde), mas para espantar os males nós três resolvemos partir para um karaokê e cantar (entre a selecionadas: The Final Countdown, You’re the one that I want, Bye Bye Bye, Smooth Criminal, etc.). Com os amigos indo embora, vejo que é hora de começar a turistar de uma vez por todas.