Qualquer leitor de quadrinhos conhece uma graphic novel. Obras maduras e complexas, com arte e formatos de qualidade. O termo “graphic novel” foi popularizado por Will Eisner depois de aparecer em um de seus trabalhos e, na maioria das vezes, são histórias focadas na vida de pessoas extraordinárias no mundo real. A intenção de distingui-lo do formato de quadrinhos tradicional nos abre um leque de inúmeras histórias: de adaptações de outras vertentes literárias a histórias infantis, listamos as nossas Graphic Novels  favoritas.

Taize: Asterios Polyp (David Mazzucchelli): Aterios Polyp é um homem de 50 anos, arquiteto famoso pelas suas criações que ficam só no papel: nunca foram realmente construídas, e sua genialidade está toda no campo teórico. Mazzucchelli o apresenta num momento não muito feliz de sua vida, vive sozinho em um apartamento com o melhor e mais moderno em decoração, está deprimido e, no dia de seu aniversário, perde tudo em um incêndio. Ao invés de se desesperar com a tragédia, Asterios decide deixar toda a vida para trás e passa a repensar tudo o que já viveu, principalmente um romance que teve. Parece uma simples história sobre redescobrimento, mas o que se destaca na graphic novel é como Mazzucchelli a conta, aproveitando todos os recursos que os quadrinhos têm a oferecer. Os traços, os desenhos, as cores, as formas, tudo é utilizado para dar vida às personalidades das personagens e é parte intrínseca da narrativa. Além de ser uma bela história sobre a vida, é uma obra de arte gráfica em que cada detalhe tem seu significado e contribui para o desenvolvimento da trama.

Liv: Ao coração da tempestade (Will Eisner): Ao coração da tempestade é aquele tipo de livro que pode (e deve) ser lido sob qualquer circunstância. Conta a história de uma família de imigrantes judeus nos Estados Unidos durante a Grande Depressão, e ao longo das páginas, conforme surgem os flashbacks, podemos perceber que a história da família se confunde com a construção do país. Esse é um relato autobiográfico e é considerado um dos trabalhos mais importantes de Will Eisner (Já ouviu falar no prêmio Eisner? É mais ou menos como o Oscar, só que na versão HQ’s) e só alguém tão talentoso como o autor poderia contar para o mundo os horrores e seus medos em relação à guerra em forma de arte.


Kika:
Hellblazer (Alan Moore, Jamie Delano e John Ridgway): John Constantine teve sua primeira aparição em O Monstro do Pântano e passou por Sandman, mas Hellblazer é onde ele brilha. O supra-sumo do anti-herói, este inglês sarcástico, fumante e bêbado inveterado, com uma inclinação quase involuntária pelo oculto, está entre os personagens mais interessantes que já li em uma Graphic Novel. Constantine está condenado ao inferno, e passeia entre seres sobrenaturais com bastante naturalidade. Ser seu amigo significa estar em constante perigo. Conheci Hellblazer na antiga revista Vertigo, lançada pela Editora Abril. Hoje em dia, Hellblazer é publicado pela Panini.

Anica: Como uma luva de veludo moldada em ferro (Daniel Clowes): Quem procura uma história convencional é melhor passar longe de Como uma Luva… A sensação que se tem ao ler a história é que o Clowes passou um pesadelo dos mais bizarros para a HQ. Coisa para fazer os filmes do David Lynch parecerem Sessão da Tarde. A história começa com Clay Loudermilk assistindo a um filme sadomasoquista e, para surpresa do protagonista, a personagem principal é uma ex-namorada. Ele decide procurá-la para saber por qual motivo ela o deixara, e é durante a busca que ele cruza com as situações e os personagens mais bizarros que já vi em HQ’s até hoje.


Lucas: 
Cachalote (Daniel Galera e Rafael Coutinho): Há muito o que se esperar de uma produção conjunta de Daniel Galera e Rafael Coutinho. A narrativa caótica e bem construída do primeiro e o traço preciso e virtuoso do segundo fazem de Cachalote uma obra e tanto. Várias histórias são contadas, elas se tocam de modo temático mais do que diretamente, pois todas elas são marcadas por buscas individuais de sentido, encontrando-o ou não. Amarguras, decepções, ansiedades e pequenas conquistas se veem às voltas com uma espécie de busca obstinada (a sua Moby Dick, a almejada cachalote de Melville), senão por redenção, pelo menos por alguns fragmentos de sentido para suas próprias existências. Tudo isso se passando num universo monocromático que ressalta a falta de cores contemporânea, sua inércia existencial, ainda que nela haja, de forma subjacente, vontades em ação, moldando a realidade e empurrando os sujeitos. Definitivamente uma graphic novel para se ler e reler.

Breno C.: Incal (Jodorowsky):  A dupla Jodorowsky e Moebius é famosa por ter dado vida e cor às melhores histórias de ficção cientifica em quadrinhos e eu, particularmente, considero Incal como a melhor de todas as obras nascidas da mente e mãos desses gênios. Na HQ conhecemos um pouco mais sobre o mundo apresentado na série Metabarões, tendo como personagem principal o impagável John Difool, um detetive particular que tem seu mundo virado de cabeça para baixo após encontrar um antigo e valioso artefato conhecido como Incal. Uma leitura leve, mas que tem seus pequenos momentos de reflexão e total beleza.

Dindii: Fun Home (Alison Bechdel): Fun Home é um livro cheio de ironias, a começar pelo título, que aparenta significar “Casa de Diversão”, mas na verdade é uma abreviação usada por Alison e seus irmãos para “Funeral Home”. Essa ironia estende-se nos relatos autobiográficos da autora ao longo do livro, que é um retorno à sua infância e adolescência, em meio a complicadas relações familiares, especialmente com o seu pai, que é o dono de uma casa funerária. Em certo ponto da obra, Alison descobre sua homossexualidade, o que faz com que ela passe por profundas mudanças e questionamentos, mas, como se isso não bastasse, ela também descobre que seu pai é homossexual, depois que ele morre em um estranho acidente. Essa descoberta faz com que ela pense novamente na figura do pai e na veracidade de sua família. Forrado de referências literárias, Fun Home é uma graphic novel que encanta por diversos aspectos.

Palazo: Solanin (Inio Asano): Quem disse que Mangá é um gênero simples e despretensioso? Minha estreia ao ler tal gênero fugiu dos convencionais e partiu logo para um livro que explora a alma humana, os sonhos de liberdade que atingem o ápice na adolescência e as reparações causadas pelas perdas, tão dolorosas mas capazes de proporcionar mudanças inexplicáveis dentro de cada um. Um livro que explora o melhor da literatura japonesa, onde o silêncio diz muito mais que qualquer palavra, e neste caso, diz mais que qualquer traço. Publicado em dois volumes pela LP&M, mas para ser lido em um único sopro, intercalado por silêncios inesperados. E se houver dúvidas se um mangá pode ser uma Graphic Novel, Solanin faz cair por terra tal dúvida.