Como todos que acompanham o Meia Palavra, sou um apaixonado pelos livros. E uma das coisas que mais me fascina neles é a maneira como cada história ou cada coisa nova que aprendemos nos impulsiona em direção a novas leituras. Às vezes isso acontece de forma bastante direta: um romance de um escritor amado leva ao próximo, ou um trecho especialmente iluminado leva a uma nota de rodapé em que abraçamos um título e um número de página como a uma terra prometida. Outros casos, os mais indiretos, podem ser tão tortuosos quanto permita nossa quadrilha: talvez seja aquele livro que um personagem lê em um filme que você só assistiu porque um amigo disse no Twitter que era parecido com a peça daquela atriz (que não amava ninguém).

Assim, ligadas umas às outras por afinidades, nossas leituras acabam formando grupos mais ou menos delimitados. E dependendo do fôlego e da persistência de cada leitor, esses grupos podem acabar adquirindo dimensões variadas. Um grupo grande pode se formar, quem sabe, por uma promessa de Ano Novo de valorizar mais a literatura nacional. Outro grupo, menor, vai surgindo da atração quase inexplicável pelo apocalipse com zumbis. Na verdade, trocamos o tempo todo de direção, criando novos propósitos ou reforçando os antigos. Tudo vai depender do estilo de cada leitor: se costuma seguir por caminhos mais simples ou mais convolutos, se busca novos territórios ou prefere o conforto dos gêneros conhecidos.

Gosto de imaginar que a dimensão dos livros é essa grande cidade, infinita para as nossas proporções, pela qual fazemos tímidos passeios. Assim como em qualquer cidade, cada leitor tem sua residência e sua vizinhança própria. Quando ainda estamos na escola, nossos professores se esforçam para que conheçamos pelo menos o cruzamento das avenidas do Romantismo e do Realismo, dentro da região da literatura brasileira e portuguesa. Mas não adianta muito insistir, os filhos da língua portuguesa logo se espalham e vão montar suas próprias casas conforme suas inclinações e necessidades. Alguns preferem os arranha-céus impossíveis ou domos impermeáveis da Ficção Científica, outros o estilo neoclássico dos bairros do século XVIII.

Como nas grandes cidades, todos os leitores têm seus cantinhos preferidos. Há aquele que insiste sempre para que todos vão se divertir na Ardil-22, embora seus amigos desprezem a influência americana e gostem mesmo dos armazéns de Brás, Bexiga e Barra Funda. Há aqueles que preferem os locais badalados do momento, seja Crepúsculo ou Cinquenta tons de cinza, e aqueles que buscam lugares isolados, onde nem se fala o português. E há sempre inaugurações. Algumas atraem tanta atenção que chegam a ser capazes de revitalizar toda uma região, como ocorreu recentemente na Fantasia, depois que se instalou por lá um certo Harry Potter.

Mas uma das sensações preferidas de todos os habitantes de uma grande cidade é descobrir novos ambientes. Pode ser que eles fiquem logo ali na vizinhança, um lugarzinho discreto a que ninguém nunca dera a atenção devida. Ou talvez esteja em um bairro completamente novo, de uma região até então desconhecida, a que chegamos pela indicação de um amigo. Existem até profissionais especializados – guias, corretores, engenheiros – que na cidade dos livros recebem outros nomes: professores, críticos, editores. Mas todos nós arriscamos nossas excursões.

Como havia dito no início, a maneira como chegamos a esses novos lugares é uma das coisas que mais me fascina. Por isso escolhi falar no Meia Palavra – a partir do próximo mês, todo dia 6 – sobre alguns dos passeios que andei fazendo por essa cidade imaginária feita de livros. É verdade que de um ponto a outro existirão praticamente infinitos caminhos possíveis –  e nisso está até grande parte do encanto – mas espero que possa convidá-los para ao menos uma voltinha comigo.

E caso esbarre em algum lugar que você há muito frequentava, por favor, não se sinta melindrado, são coisas que acontecem. Talvez você se sinta à vontade entre os russos e considere qualquer referência a Leskov ou Pushkin tão trivial quanto uma visita à padaria. Eu entendo, normalmente não gosto também de encontrar forasteiros pelas minhas bandas. Mas estejamos aqui todos entre amigos, que todos tomem notas das suas próprias andanças e depois proponham seus próprios itinerários. Será um prazer conhecê-los.

Por fim, confesso que este exercício servirá também para fugir do embaraço de uma pergunta cotidiana: “e aí, o que você tem feito?” – sempre me perguntam, e sempre gaguejo. Poderia responder, no impulso, “estive lendo muitas coisas”, mas isso não reflete totalmente a verdade. É preciso reconhecer que a memória insiste na sensação de muitas voltas dadas, de vários lugares visitados e de novas descobertas. Proponho, portanto, que sejamos mais fiéis à nossa subjetividade. Se você, como eu, também passa muito tempo entre os livros, tenha sempre esta resposta na ponta da língua: “ah, estive por aí, passeando”.