Uma das minhas mais próximas amigas está se mudando para o Rio de Janeiro. Isso porque a) ela teve vontade b)  ela vai tocar um projeto sobre a memória c) ela não perguntou como ficam meus sentimentos em relação a isso. Durante nossa despedida, percebemos que temos que acertar a troca e devolução de algumas coisas dela que estão na minha casa e coisas minhas que estão com ela. Lembrei que ela está com dois dos meus livros favoritos.

Não sobre meus sentimentos nem sobre vontade de se mudar para perto do mar, minha coluna esse mês é sobre a memória e como isso se relaciona a esses dois livros. Há duas semanas, fui assistir ao espetáculo teatral Rabbit, que trata sobre crises de relacionamento entre amigos, exs, atuais, familiares e de idade. Entre um diálogo e outro, uma médica, melhor amiga da protagonista, falava sobre como a memória era algo misterioso. O que define o que fica na sua mente e o que vai embora? Qual é a sua memória mais antiga? Algo importante ou aleatório? Onde isso tudo fica guardado? Qual a sua lembrança mais especial?

A primeira lembrança que eu tenho sou eu, Dindizinha, quebrando um balanço de plástico amarelo e rosa, no instante em que eu resolvi que não só bonecas deveriam usá-lo. Devia ter uns 2 ou 3 anos de idade e recordo até o que eu pensei antes do acidente acontecer. A segunda memória talvez seja da Dindizinha quebrando um toca-fitas ao colocar pedras nele e apertar play. Mais uma vez, consigo lembrar que fiz isso porque queria ouvir a música das pedras (futuramente conhecido como rock n’ roll?).

Talvez e provavelmente, eu tinha uma vaga lembrança do que aconteceu e, com os anos, fui reconstruindo pensamentos e adicionando história a esses eventos. A mesma coisa acontece com esses dois livros. Por um lado, lembro o quanto eles mexeram com as minhas memorias quando eu os li. O primeiro deles, A Comédia Humana, me levou de volta à diversos pontos da minha infância, idade em que tudo acontece com um peso diferente. Lembrava das minhas brincadeiras, da minha relação com as ruas e até mesmo de eventos muito tristes, que não tiveram esse peso na época, assim como o personagem de Homero, que entrega telegramas da Segunda Guerra na casa de famílias, sem saber exatamente como agir a respeito.

O outro, À Mesa com o Chapeleiro Maluco, é uma série de ensaios que passam pelo tema da loucura nos tempos atuais. Sim, Alice, somos todos loucos. O ensaio me instigou bastante por muito tempo e também me fez rever momentos da vida em que a pressa e atos impensados aconteceram, longe de ser auto-ajuda. É claro que, de outro lado, esses livros também foram mudados pelas minhas experiências antes e depois deles. Cada vez que eu os ler, sei que serão pontos diferentes que vão me chamar atenção e que cada época será feita de um trecho a entrar com mais frequência na minha memória.

Ainda ontem, meu professor de roteiro falava sobre como uma história, quando contada através de um filme,  morre 3 vezes e nasce 4: Nasce quando temos a ideia e morre quando passa para a mão do diretor. Nasce com o diretor novamente e morre na ilha de edição, onde começa novamente e morre nos olhos dos espectadores, que a recriarão em suas lembranças.  O mesmo acontece com os livros e com nossas experiências, que nascem, morrem e se recriam de um jeito tão direrente a cada vez que as revisitamos.

E, por fim e somente como curiosidade aleatória, as três coisas que eu lembro imediatamente e sempre quando se fala em memória são:

1) O dia que me acertaram uma manga na cabeça e eu perdi, por minutos, a memória.

2) Que elefantes são animais maravilhosos justamente por terem essa fama de ser os animais que nunca esquecem. (diferente dos esquilos, que esquecem até mesmo onde colocaram suas comidas.)

 3)  Esse vídeo: