Não poderia (embora gostaria de poder) garantir que o mundo inteiro ama os Beatles. Posso dizer, contudo, que é uma das bandas que mais se aproxima desse sentimentalismo universal – ainda que alguns a odeiem e que para algumas pessoas, que eu ainda não conheci, ela passe desapercebida. Trabalhar com um tema que causa um sentimento tão acalorado nas pessoas dificilmente passaria desapercebido. Por isso, O livro branco desperta, no mínimo, curiosidade por conta de sua proposta. O volume é uma reunião de “19 contos + uma bônus track” de diferentes autores assumidamente beatlemaníacos que usaram alguma música do quarteto de Liverpool como inspiração para escrever o texto.
O resultado é uma mistura de estilos, seja pela seleção das músicas, que passam pelas diferentes fases da banda, seja pela forma como cada autor incorpora essa fonte comum de inspiração. Há desde os que preferem usar trechos das canções ou incluí-las em referências diretas, quanto os que optam por algo de maior sutileza, fazendo com que tomem a forma de uma lembrança, um lugar ou um personagem.
O conto “PM”, de Marcelino Freire, usa a música “Eleanor Rigby” para criar a personagem da tia Eleonora, uma professora caipira que fala inglês, esconde tatuagens no corpo e segue Paul McCartney no ano do centenário do cantor, comemorado em São Paulo. Na ocasião, ela se acomoda na casa de seu sobrinho gay, que não a deseja ali. A solidão aparece pontuada de forma simples e natural assim como o refrão “All the lonely people, Where do they all come from? All the lonely people, Where do they all belong?“
Outra feliz inspiração foi o conto do André Sant’Anna, “Nothing is real”, que é traçado apenas com diálogos dos Beatles fumando um baseado dentro do banheiro do palácio da Rainha da Inglaterra. Na conversa, eles comentam sobre o que vai acontecer em seus futuros como se já o soubessem com precisão – a ida para a Índia e a atração de John por uma japonesa são algumas das previsões. Ringo, chapado, só consegue dizer que gostaria de ser um polvo, assim como em “Octopus’s Garden”.
Já “Uns e Outros”, de Zeca Camargo, é inspirado em “We can work it out” e também foi construído usando apenas diálogos. Um marido descobre uma lista com nomes de homens, datas e telefones e decide ligar para cada um, colocando sempre essa música para tocar ao fim das ligações. O que começa como um mistério, com um gatilho interessante, ao decorrer das páginas se torna repetitivo e parece não levar a lugar algum.
O livro branco é inspirado no White Album, disco concebido durante um retiro da banda para meditação na Índia, que passou por um longo e exaustivo processo para ser finalizado, com uma série de divergências que podem ser notadas na pluralidade de suas canções, não menos brilhantes do que as de outros álbuns da banda. A mesma pluralidade pode ser notada no livro, que, para ser apreciado, deverá ter um leitor que conheça as letras – e não apenas isso, mas que também entenda que a inspiração não é uma tentativa de sobrepor a obra original e, sim, um gatilho para a imaginação.
Tem MUITO autor dos quais não gosto nessa coletânea. Mas a presença de uma Carola Saavedra e de um Marcelino Freire me fazem ter uma vontadinha de conferir o livro. Dos citados por você, o do Sant’Anna também me interessou um pouco.
Vou dar uma folheada na livraria antes de me arriscar. Valeu pela dica!
Carola Saavendra usou a estrutura de uma musica, texto feito só de dialogos. Mas nem gostei tanto :/
Bah, comprar um livro SÓ pelo Marcelino Freire fica mais difícil, então…