Mais uma vez temos a chance de ler uma obra de João Gilberto Noll (1946), escritor gaúcho considerado por muitos uma das figuras de destaque da ficção brasileira das últimas décadas. Premiado várias vezes, ainda hoje é um autor muito lido e aclamado pela crítica. Há pouco tempo resenhei seus Acenos e afagos (2008), seu último romance lançado para adultos. Nos últimos anos Noll se dedicou mais a escrever para crianças e só agora volta seus olhos novamente para um público mais amplo com seu Solidão continental (2012), publicado pela Editora Record.

Verdade seja dita: não sou grande conhecedor da obra do autor, sendo que apenas li dois livros seus contando este que resenho, porém já posso perceber traços próprios de sua literatura. Noll se distingue fundamentalmente de muitos autores mais jovens, porém partilha com eles essa ênfase no ego tão característica da ficção contemporânea. Quem nos conduz pelo romance é o próprio personagem (sempre chamado João), que narra suas experiências fragmentadas ao leitor. O próprio escritor afirma que sua última obra é constituída de “cenas imprecisas, difusas” que não nos permitem ter qualquer sensação de objetividade, pois o que temos é o ápice da subjetividade.

Além desse enfoque máximo no ego, há outro aspecto também presente em seu romance anterior: o dilema entre o exílio e o pertencimento a uma terra (Porto Alegre sempre). Em Solidão continental, o personagem João começa sua história em Chicago para depois se deslocar para lugares fantasiosos, para Miami, para a Cidade do México e, enfim, para Porto Alegre. O trânsito pelo continente americano é o que move João ao longo do romance, porém não se trata de uma narrativa de viagens clássica, em que a ênfase está justamente na experiência da viagem. Aqui o que importa são as emoções de João nessas cidades, que poderiam ser quaisquer outras, inclusive sua terra natal ao sul do Brasil. A solidão é continental e está presente em todo e qualquer lugar.

De acordo com a fama de Noll, também lemos vários relatos da sexualidade do protagonista à flor da pele, sempre descrevendo gestos e falas de outros que denotam qualquer interesse carnal, além de cenas de sexo propriamente dito, é claro. Assim como em Acenos e afagos, o personagem João se mantém a todo tempo sensível para qualquer insinuação física, mas não somente de homens, seu enfoque de atração sexual. Apesar disso, seu afeto será dedicado a alguém do sexo masculino, Frederico, personagem misterioso (mentiroso?) que surge na volta do protagonista para a terra natal.

Ainda que Solidão continental tenha todos essas características que podem motivar sua leitura, o que realmente aconteceu no meu caso, acredito que há um grande abismo entre este romance e o anterior. Enquanto Acenos e afagos buscou em uma transformação formal se adequar à transformação de gênero pela qual o protagonista passa, este último romance parecebuscar uma narrativa mais tradicional, estruturada em capítulos que mantêm uma certa coerência entre si, inclusive em aspectos temporais. Apesar das oscilações entre realidade e fantasia presentes, que nos fazem questionar se existem limites entre essas duas esferas, o leitor se mantém sempre na questão da solidão que cresce com o avanço da idade.

Acredito também que a solidão, o enfoque do romance, não é muito problematizada em si, apenas sentida e transmitida ao leitor constantemente. Ao contrário da epopeia de mais de cerca de duzentas páginas, neste romance curto Noll não consegue tratar de nada além de um ou dois pontos relacionados à questão do envelhecimento de João como ser sexual e afetivo. Não sei se deveria chamar Solidão continental de “retrocesso” na evolução do romance de Noll, porque acredito que houve apenas um abandono da forma construída pelo autor antes. Nada o impede de investir em outros meios de expressão, porém tendo a pensar que essa última escolha apenas o limitou dentro de suas capacidades.