Mesmo sendo o homem por trás de alguns dos filmes mais sanguinolentos e agoniantes da era de ouro de Hollywood, Alfred Hitchcock (1899-1980) fincou-se na memória do Cinema como o gordinho boa-praça, certamente sádico, mas muito divertido, criativo e de uma técnica abissal.

Hitchcock, primeiro longa de ficção de Sacha Gervasi, ainda que sem muita qualidade, chega às telas para demolir o mito, dando contornos realmente sinistros ao grande “mestre do suspense”.

Baseado no romance “Alfred Hitchcock and the making of Psycho”, de Stephen Rebello, a trama acompanha o ponto crucial na carreira do diretor: recém saído do sucesso de Intriga Internacional (1959) e já consagrado por filmes como O Homem que Sabia Demais (1934), Rebecca (Vencedor do Oscar de melhor filme de 1940), Disque M para Matar (1954), Janela Indiscreta (1954) e tantos outros, Hitch, completando 60 anos, se vê refém de seu próprio sucesso, amarrado ao formato que ele mesmo moldou, e então decide arriscar tudo, incluindo a fortuna e o casamento, para se reinventar.

A corda bamba por onde o glutão (mas sempre em dieta) Hitchcock caminha ao longo da trama é interessante, mas não empolga, já que todos sabem o sucesso estrondoso que foi Psicose (1960) e que cedo ou tarde o final feliz chegará.

E se o filme despertar interesse por ser a chance de ver a reconstituição de um clássico, Hitchcock decepciona rapidamente. Os bastidores da gravação apequenam Psicose, talvez por destruir de uma forma tão desinteressante a ilusão do Cinema. As representações dos atores que protagonizaram o clássico dos 60 são fracas e esparsas. James D’Arcy tenta tolamente atingir o mistério de Anthony Perkins, chegando apenas uma vez ou outra numa expressão eficiente; Jessica Biel passa longe de Vera Mills, e Scarlett Johansson parece nunca ter ouvido falar da Janet Leigh que supostamente interpreta.

Já Anthony Hopkins, o eterno Hannibal, definitivamente não conquista a audiência como o diretor bizarro. Diferente de Meryl Streep em A Dama de Ferro (2011) e Daniel Day-Lewis no recente Lincoln, nem a maquiagem, nem a postura corporal ou vocal conseguem fundir Hopkins a Hitchcock, talvez porque a própria persona do diretor seja tão poderosa ou porque tenhamos tanto material de arquivo para comparações.

A trama se sustenta, assim, na pouco conhecida figura de Alma Reville (1899-1982), esposa e sustentáculo de Hitchcock, ela mesma editora e assistente de direção, mas cuja carreira foi eclipsada pela ode a seu marido. Helen Mirren assume bem o papel e isso lhe rendeu indicações a importantes prêmios, mas não sustenta o interesse ao filme.

Os poucos momentos de qualidade acontecem quando Hitchcock revela suas sombras de misógino, obsessivo e pendendo a psicopatia. O diretor “que tudo observava” e que parecia achar que a vida de todos girava à sua volta, perscruta os sets, bebe em demasia, desconta as angústias na comida e até faz um buraco na parede, no melhor estilo Norman Battes, para observar suas atrizes no camarim.

O único momento de luz desse filme – que se valeu do talento de um ator como Hopkins – é quando Hitchcock acompanha do lado de fora da sala à primeira exibição de Psicose, e durante a icônica cena do chuveiro, rege os gritos da plateia como um maestro faz com sua orquestra. Cômico e excelente.

Nessa malsucedida tentativa de um grande filme (que inegavelmente partiu de uma grande ideia), o que ficará é a revelação do lado negro de um dos mais queridos nomes do Cinema, que pareceu até o fim da vida ressentido com seus pares de Hollywood, incluindo a Academia (ele nunca ganhou um Oscar), por nunca terem lhe dado os louros suficientes, símbolos de uma aprovação que ele tão doentiamente perseguiu em seus  filmes divertidamente cruéis e nas loiras misteriosas que tanto o fascinavam.