Alguns estereótipos foram construídos graças a imagens perpetuadas pelo Cinema que se fixaram no imaginário popular e adquiriram significância simbólica. James Bond transformou-se em símbolo do gentleman inglês, bem aprumado, galante e que sabe beber; Humphrey Bogart (Casablanca, 1942) fixou na tela grande a figura do homem sofrido que desconta no copo sua dor inexprimível; John Wayne (Rastros de Ódio, 1956) foi sinônimo do homem durão; Marilyn Monroe (Quanto Mais Quente Melhor, 1959) merecia a patente da figura da loira burra, assim como Bette Davis (A Malvada, 1950) a da mulher pérfida.
Já a Tom Cruise devemos a figura do agente, seja do governo, especial, intergaláctico, no infinito ou além. Eu sei, eu sei: associar Cruise e Bette Davis, Bogart, Wayne e Marilyn num mesmo raciocínio parece loucura, mas nesse estranho mundo chamado Cinema cada um contribui à sua maneira e não se deve medir importâncias apenas pelo número de Oscars ou gênero de atuação: existem fãs para tudo.
Tom Cruise é um ator de ação, e nesse gênero é um ótimo ator. Sobreviveu ao tempo (ele já tem cinquenta anos) certamente muito melhor do que o quase-explodindo Sylvester Stallone, ganha em simpatia de Bruce Willis e de knockout dos novos bombadinhos Jason Statham, Colin Farell e Vin Diesel.
Além disso, intercala muito bem trabalhos de pancadaria com projetos mais reflexivos, e na maioria das vezes atinge resultados satisfatórios. Mesmo num filme chato, carregou bem seu papel em Vanilla Sky (2001); não decepcionou ao protagonizar o último Kubrick (De Olhos Bem Fechados, 1999), nem ao trabalhar com Paul Newman (A Cor do Dinheiro, 1986); foi um bom coadjuvante em Rain Man (1988), um bom protagonista em Jerry Maguire (1996) e indiscutivelmente brilhou em Magnólia (1999).
Assim, ganhou a simpatia do público mundial, que mesmo com sua loucura cientológica e eventuais puladas no sofá da Oprah, adoram correr ao Cinema assim que um novo filme seu entra em cartaz. Recentemente, com o quarto Missão: Impossível (2011), ressuscitou Ethan Hawke com muito mais dignidade do que o reaparecimento de John McClane e provou que ainda tem muita vitalidade para pancadaria, explosões e tiros.
Neste ano nos apresenta Oblivion, ficção científica com orçamento de US$ 120 milhões, com direção do talentosíssimo Joseph Kosinski.
Para quem não sabe, Joseph é o homem por trás do colosso visual de Tron: O Legado (2010), aquele filme bacanudo com música do Daft Punk, onde Jeff Bridges é uma espécie de deus e Olivia Wilde está mais linda que o limite do permitido.
Depois do sucesso desse filme, que já tem continuação anunciada para meados do ano que vem, Joseph decidiu assumir um projeto mais pessoal e convenceu a Universal a apostar em Oblivion, cuja trama é baseada num conto de sua autoria.
Oblivion se passa no não tão distante ano de 2077, numa Terra quase completamente destruída por uma guerra com alguma espécie alienígena. O protagonista explica: “ganhamos a guerra, mas perdemos o planeta” – e os sobreviventes humanos agora vivem em Titã, uma das luas de Saturno. Harper e sua esposa Victoria (Andrea Riseborough) são a “equipe eficiente” responsável por cuidar dos drones, que drenam recursos remanescentes do planeta para a sobrevida da espécie no espaço. Além disso, Jack também é responsável por exterminar qualquer alienígena remanescente no planeta, chamados de saqueadores por sabotarem o funcionamento dos drones.
Mantendo um visual incrível que vem se tornando a assinatura desse diretor, Oblivion decepciona um pouco ao passear pela estrada tantas vezes já percorrida do protagonista que descobre que a verdade é bem diferente da realidade em que vive, e então seu mundo desaba, e ele não sabe mais em quem confiar, e tem que tomar uma decisão corajosa e, em determinado momento, tem o destino do planeta nas mãos.
Essa história passa longe do primor intelectual das boas ficções científicas, ficando atrás até mesmo de Tron: O Legado, que levou o espectador a reflexões mais interessantes. Ganha, contudo, do design de produção e sobretudo nos efeitos especiais e direção de arte, que constroem cenários internos com referências vintage, pendendo para o Bauhaus, e cenários externos maravilhosamente bem concebidos pelos técnicos de efeitos.
O branco sujo de poeira e desgastado que está sempre impregnado à roupa de Cruise e em sua nave (uma das naves mais legais e criativas do Cinema de ficção contemporâneo), representa a assepsia que começa a dominar nossas vidas, através de nossa compulsão em esconder as sujeiras do cotidiano – algo que Milan Kundera chamou de “o kitsch do mundo”.
Melissa Leo (O Vencedor, 2010) tem um papel pequeno, mas pontual, como uma líder de operações deveras artificial, que levanta suspeitas imediatas. Os personagens, inclusive, têm espaços bem definidos na trama, com exceção talvez para a cena final de Morgan Freeman. À parte desse erro de cálculo num apêndice da história, os atores trabalham bem e formam “uma equipe eficiente”.
Numa ficção que não supera em imaginação ou profundidade as histórias de Arthur C. Clarke ou Philip K. Dick, Oblivion se sustenta por seu protagonista carismático e por efeitos que preenchem a tela e encantam o espectador pelas cenas muito palpáveis do planeta destruído, já retomado pela natureza.
Para Cruise, mais um passo seguro na carreira: ele não decepciona, nem envergonha e certamente, como diz a expressão popular, ainda “aguenta a briga”. Há quem diga que não há melhor ator que ele para cenas de corrida, eu concordo.
Para o diretor, um filme menor do que seu anterior, mas que ainda que ainda o faz proeminente, vigoroso, alguém com muito talento, que carrega seus blockbusters com personalidade e qualidade estética.