Elogiado pela crítica e sucesso de público no YouTube, onde superou 3 milhões de visualizações, o curta-metragem escrito e dirigido por Daniel Ribeiro expandiu-se à tela grande, mantendo atores e equipe técnica. Com o mesmo capricho do formato menor, a história de amor de Leonardo e Gabriel tem a fotografia caprichada de Pierre de Kerchove, trilha sonora eficiente, que mistura Vivaldi, Bach e Belle & Sebastian, mas não soma muitas novidades ao que já foi apresentado pelo curta de doze minutos.

Brincando de Drummond, a trama é a seguinte: Giovana (Tess Amorim), gosta de Leo (Guilherme Lobo), que gosta de Gabriel (Fabio Audi), que não tinha entrado na história1. Trocando em miúdos: Leo é um menino cego que tem em sua melhor amiga, Giovana, companhia e cuidado, até a chegada de um novo aluno, Gabriel, vindo do interior. Lidando com o bullying de colegas maldosos e com as velhas dúvidas da adolescência, o menino também tem que enfrentar seus questionamentos sexuais, sobretudo quando se apaixona pelo novo amigo, despertando, com isso, os ciúmes da velha amiga.

O plot, percebe-se, não é genial, mas tem sua engenhosidade. A estratégia de contar uma história de um menino gay e cego (ou cego e gay) me parece um tanto quanto coercitiva, a fim de levar a plateia às lágrimas, mas Daniel tem a seu favor a mão sensível em conduzir a história e a extrema simpatia que seus personagens despertam. Assim, ao mesmo tempo que se aproxima de um Cinema já tentado por Matheus Souza (embora não sobre homossexualidade), com Apenas o Fim (2009) e Eu não faço a menor ideia do que tô fazendo da minha vida (2012), soa muito menos afetado ou superficial, sem exagerar nos momentos dramáticos, nem se afundar em clichês.

Embora o enredo não explore aspectos que se supõe fundamentais à dramatização dessa história, como a reação da família e o entrechoque com os valores sociais vigentes, é eficiente no que se propõe: uma história intima, sobre amor, não sobre sexo; sobre descobrimento, não enfrentamento. No programa Metrópolis2, da TV Cultura, o diretor afirma ter se preocupado, de olho na audiência, em não sexualizar excessivamente seus personagens. Com isso, mesmo que resvale no pueril, seu resultado é positivo: sem ser pudico (há até uma cena de masturbação), evita também o fetiche de centralizar sua trama em sexo.

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Daniel Ribeiro, diretor e roteirista, fundamental à boa estética e sensibilidade da obra.

Seguindo um modismo atual, Hoje eu quero… é um filme bem hipster. Seja nas músicas ou nos tons pastéis que se utiliza em figurinos e cenários, ou na própria concepção dos personagens, fofos e compreensíveis. O ponto positivo é que consegue fugir, na maioria das vezes, do estereótipo de jovem metropolitano retratado comumente. Na trama, Gabriel é um jovem aficionado pela leitura, enquanto Leo é fã de música clássica: “O melhor tipo de música que existe” – ele diz. Já Giovana, mesmo sendo uma sonhadora nos velhos moldes românticos, chega até a brincar com sua condição, como quando se despede de Leo e Gabriel como uma princesa de um dramalhão oitocentista. Mesmo com essas excentricidades, o trio protagonista não escapa à verossimilhança, pelo contrário, e o autor marca um ponto ao captar nuances comumente esquecidas das características dos jovens atuais.

Já as atuações, embora doces, são menos naturais do que filmes similares da atual safra que retrata os jovens em momentos de crise e descobrimento, como Os Famosos e os Duendes da Morte (de Esmir Filho, 2009) e As Melhores Coisas do Mundo (de Laís Bodansky, 2010), mas isso provavelmente se deu pelo rigor do diretor/roteirista em retratar cuidadosamente uma relação homossexual entre adolescentes. Os atores parecem extremamente esforçados, dando inclusive um passo adiante em relação ao que apresentaram no curta-metragem. Guilherme Lobo nos traz uma convincente performance de deficiente visual, enquanto Tess Amorim tem a sua graça, além de ser fundamental à engrenagem da trama, como enquanto o amor de Leo e Gabriel ainda se desenrola a passos lentos. Já Fabio Audi, gracioso, porém mais limitado que os outros dois, destaca-se pela beleza e atrai suspiros da plateia.

Em sessão lotada no Itaú Arteplex de Botafogo, Rio de Janeiro, vi pessoas aplaudindo o sucesso do casal protagonista, enquanto um grupo de meninas ao meu lado, de idade semelhante a dos personagens, choraram e choraram com orgulho. Assim, Daniel Ribeiro sai vitorioso em sua intenção não apenas de visibilizar, mas sobretudo de naturalizar em tela grande as relações homoafetivas. Fugindo do dramalhão escandaloso à la Xavier Dolan (Eu Matei Minha Mãe, de 2009), consegue expor com destreza as nuances da sexualidade, dentro de um país ainda permeado pela homofobia e amarrado em ideais conservadores (muitas vezes de origem religiosa). Assim, Hoje eu quero… torna-se, à certa medida, um marco artístico na luta pelos direitos dos gays (e de toda a comunidade LGBTT) do Brasil, ao retratar uma história de amor e não de depravação sexual ou dramas autodestrutivos.

Se falta naturalidade às performances, com frases truncadas e ensaiadinhas, não é, porém, uma artificialidade alienada. O autor sabe perfeitamente que ponto deseja atingir, ele diz respeito à sua própria biografia, e o atinge com sucesso: acerta a mosca ao mostrar o Brasil da classe média metropolitana (há um cuidado até com o erre escorregadio do sotaque paulista), de jovens conectados com os progressos dos tempos e que fazem, eles mesmos, as mudanças que desejam. Não é tão pessimista quando o senso comum, que considera a juventude atual perdida e alienada, mas é honesto ao ver seus problemas, porém destacando sua agência de mudança, vontade de progresso, enquanto zomba com os bullies dos ideais ultrapassados.

Por isso, mesmo com suas limitações, Hoje Eu Quero Voltar Sozinho é uma história feliz, tanto para seus protagonistas, quanto para o Cinema nacional, e assisti-lo nos dá a esperança de um Brasil mais tolerante, mais democrático e menos hipócrita – e com um Cinema com chances reais de melhorar.

  1. Poema Quadrilha
  2. De 17/04/2014, disponível aqui