Embora tenha se estabelecido como um dos maiores diretores da atualidade, Bernardo Bertolucci é dono de uma carreira irregular, responsável por obras primas como O Último Tango em Paris e O Inconformista, mas também deslizes como Beleza Roubada. Eu e Você se situa em um limbo entre esses dois extremos, pois não é uma obra-prima tampouco oferece lampejos do que seu diretor é capaz.

O filme começa com o protagonista, Lorenzo, se escondendo em um porão enquanto seus pais acham que ele está em uma viagem de ski com a escola. O personagem é construído como um garoto problemático. Logo na primeira sequência, encontra-se em um consultório psiquiátrico falando sobre algum acontecimento traumático que esteve envolvido com um amigo e, logo em seguida, o vemos jantando com a mãe e demonstrando um certo desejo latente por ela. 

Esse suposto acontecimento importante nunca é desenvolvido e a estranheza de Lorenzo se torna muito mais algo que o diretor conta do que uma coisa verdadeiramente construída no filme. Didaticamente, Bertolucci diz ao seu espectador “esse é um filme sobre um menino estranho e isolado” e a esse não sobra mais do que aceitar a descrição dada pelo diretor.

A semana de férias de Lorenzo é interrompida quando sua meia-irmã Olivia aparece para buscar umas coisas e, sem ter para onde ir, acaba ficando. Olivia, por outro lado, é uma personagem  construída com profundidade, mais do que Lorenzo, sua história, seus namorados e problemas com as drogas são oferecidos aos poucos, misturados nas falas dela, como peças de um quebra cabeça. E a atuação da estreante Tea Falco é excelente ao transformar em ser humano o que poderia ser um simples estereótipo sem profundidade.

Uma vez que Lorenzo e Olivia estão presos em um pequeno porão claustrofóbico e a tensão sexual entre eles se instala, Bertolucci está em seu elemento. Dificilmente outro diretor conseguiria transformar o desejo do menino em algo tão concreto, quase palpável. O corpo e o sexo como intermediário do contato entre duas pessoas, em geral dois solitários, sempre foi um tema caro ao diretor e nesse sentido Eu e Você quase lembra O Último Tango em Paris, mas falta ao filme novo o mistério, a transgressão e o reconhecimento (e respeito) do desespero presentes no clássico com Marlon Brandon.

Olivia percebe o desejo do meio-irmão e, sozinha e desamparada, o usa como porta de entrada para estabelecer um contato com ele, mas Lorenzo parece responder muito mais porque não pode controlar seu impulso de aproximar-se de Olivia do que por uma necessidade real de contato. O arco de transformação pelo qual seu personagem passa também é muito mais algo afirmado por Olivia, e portanto verdadeiro no filme, do que algo que efetivamente pode ser visto ali.

O jogo de aproximação entre eles, a tensão e a expectativa que Bertolucci constrói e o sutil jogo de luz que ele estabelece para tornar cada vez mais desejáveis seus dois protagonistas são o ponto alto do filme, aquilo que deixa entrever o enorme talento do cineasta. Mas exceto por isso, e a excepcional atuação de Tea Falco, Eu e Você é um filme apenas competente.

Nas mãos de um diretor menos talentoso as falhas na construção do protagonista comprometeriam completamente o longa, aqui elas não chegam a tanto, mas o tornam perfeitamente esquecível. Há belos planos e bons momentos, mas é um filme sem densidade emocional, algo que deveria ser sua matéria-prima.

O foco no personagem adolescente e a trilha sonora pop lembram justamente o já citado Beleza Roubada. Momentos em que Bertolucci se encanta tanto com sua própria habilidade técnica e acaba por esquecer de ancorar seus filmes naquilo que realmente move os personagens: sua vida interior.