Após quase dois anos da exibição no Festival do Rio, Natimorto, filme de Paulo Machline adaptado do romance escrito em 2004 por Lourenço Mutarelli, chega às telas do país em abril. Mutarelli interpreta (sim, ele é o ator principal) um agente musical que fuma um maço de cigarro por dia e lê seu futuro através das imagens antitabagismo contidas nas embalagens – como um baralho de Tarot. Vivendo em um casamento arruinado, o agente vê em sua nova aposta, uma cantora vinda do interior, a chance de dar a volta por cima e executar seu plano mais ousado: se isolar do mundo para sempre.

A cantora torna-se sua cúmplice nessa empreitada de se isolar do mundo, pois se vê encantada pelas histórias de infância do agente e também admira sua arte de ler maços de cigarros. Longe de haver alguma tensão sexual, os dois personagens vivem num clima claustrofóbico, enfurnados dentro de um quarto de hotel fumando em grande parte do tempo e travando diálogos ácidos, filosóficos e em alguns momentos de um humor duvidoso. Criando uma dependência e obsessão de um para o outro. Mesmo relutante com a ideia de esquecer o mundo que esquece a todos fora do quarto, a cantora sempre volta.

A fotografia granulada ajuda a criar uma atmosfera sufocante junto a fumaça expelida pelos protagonistas e a edição colabora com a narrativa. A cena do jantar e seu desfecho são sempre adiados criando uma expectativa ímpar sobre como será o timbre misterioso da cantora que tanto inspira o protagonista. Os flashbacks que entrecortam as histórias do agente ganham um aspecto retrô – como se uma câmera caseira e escondida captassem a infância dele.

Mutarelli encarna um personagem em metamorfose, aos poucos a timidez e doçura – apresentados nos primeiros dez minutos de filme – vão se esvaindo, dando espaço a um surto de demência. Prestes a ter um ataque de nervos, a platéia presenciará um monólogo brutal repleto de insetos e vermes em cima do agente musical.

Como adaptação do romance, o filme de Machline é exemplar, tudo que contém no livro está lá transcrito literalmente e esse talvez seja o seu maior problema e maior trunfo. Primeiramente, quem nunca chegou perto do livro sentirá que essa uma hora e meia seja longa demais devido a loucura crescente dos personagens e as propostas absurdas, no primeiro e segundo ato, do papel de Mutarelli. Por outro lado, optando por planos fechados e cortes nada sucintos, o cineasta Machline cria um certo incômodo no espectador que funciona para o desfecho lacônico do longa. Outra coisa que perturba, sendo ou não leitor da obra, é o voice over (gravado por Nasi) totalmente dispensável. Há também o problema da ironia intrínsica no livro que não foi transferida para o filme. Na verdade, ela foi trocada por momentos de tensão.

Mesmo com defeitos de execução – perdendo a essência labiríntica, ambígua e ironica -, Natimorto tem grandes méritos e grande parte deles se deve a Lourenço Mutarelli, que escreveu uma história de amor que tange a loucura e incorporou com louvor o personagem que criou.