Nelson Pereira dos Santos é um cineasta marco do cinema brasileiro. Ainda que atualmente seus filmes se resumam a documentários um pouco preguiçosos, sua carreira contém alguns dos momentos mais fortes da produção nacional.

Talvez o cineasta mais literário do país, Nelson Pereira dos Santos adaptou A Missa do Galo, A Terceira Margem do Rio, Tenda dos Milagres, O Alienista, Memórias de Hans Staden (com o maravilhoso título de “Como Era Gostoso Meu Francês”), Vidas Secas e Memórias do Cárcere, filmes que provavelmente o levaram à Flip.

Intitulada “Uma Vida no Cinema”, a conversa entre Nelson Pereira dos Santos, Miúcha e Claudiney Ferreira não se ateve às adaptações de Graciliano Ramos, mas cobriu toda a carreira do cineasta. A primeira pergunta do mediador disse respeito à presença de Miúcha e foi esclarecida pela própria: ela foi co-roteirista de Nelson Pereira em diversos de seus filmes, inclusive na complicada adaptação que ele fez do livro de seu pai, Sérgio Buarque de Holanda, Raízes do Brasil.

A mesa fluiu como uma conversa, poucas perguntas específicas foram feitas e Nelson Pereira contou histórias da produção de seus filmes, cheias do tipo de desastre que sempre acompanha os sets de filmagem. Por exemplo, quando sua equipe chegou ao sertão de Alagoas para filmar Vidas Secas, havia acabado de chover e a chuva durou toda a quinzena. Com chuva, o sertão se encheu de verde e era impossível filmar a história de Graciliano Ramos, como solução, o diretor escreveu correndo o roteiro de Mandacaru Vermelho e o filmou com pessoas da região.

Não-atores são uma marca do cinema de Nelson Pereira dos Santos: Rio 40 Graus e o próprio Vidas Secas ficaram famosos pelo uso de amadores. Apesar disso, Vidas Secas escapa ao naturalismo, sua fotografia é expressionista e as atuações (talvez justamente por causa do amadorismo) são dramáticas.

O filme se opõe de certa forma a Deus e o Diabo na Terra do Sol e à estética da fome de Glauber Rocha. Nelson Pereira dos Santos não é um cineasta da fome; mesmo quando fala dela, sua estética não reflete a miséria do tema e isso fica claro no pequeno trecho que é mostrado na mesa: a cena da morte da cachorra Baleia, um dos melhores momentos do filme e, talvez, do cinema nacional.

A sensibilidade do diretor e sua tendência a embelezar as histórias aparece quando ele conta que chegou a escrever um roteiro para São Bernardo, mas não conseguia aceitar o suicídio de Madalena e perguntou a Graciliano Ramos, então ainda vivo, se ela não poderia simplesmente fugir da fazenda. O escritor aceitou, desde que seu nome não aparecesse em lugar nenhum do projeto, que acabou caindo na mão de Leon Hirszman (dono de um cinema muito mais panfletário e árido) alguns anos depois.

Nelson Pereira dos Santos contou ainda da censura que Rio 40 Graus sofreu durante a ditadura, sob o argumento improvável de que “nunca havia feito 40 graus no Rio de Janeiro” e depois da proibição de Como Era Gostoso Meu Francês, primeiro nu frontal masculino do cinema brasileiro. Em seguida, Claudiney Ferreira pediu que mostrassem um trecho do filme, um dos melhores e mais subvalorizados da obra do cineasta.

Ao final, apesar do clima de risadas e conversa entre amigos, o diretor expressou um certo pessimismo em relação ao cinema nacional, dizendo que um dia desses alguém lhe pediu dicas para um jovem cineasta e ele respondeu “desiste, vai fazer algo que dê dinheiro”. Para terminar, foi exibido um trecho de seu filme mais recente, um documentário sobre Tom Jobim: a clássica gravação de Águas de Março, com Tom e Elis Regina. Rindo, fumando e fazendo dancinhas a dupla ganhou a plateia, que terminou aplaudindo de pé.