por Carolina Silvestrini

O mito do jardim do Éden através dos olhos de Eva: é o que anuncia a primeira sequência do filme de Vera Chytilová, onde um homem e uma mulher são vistos nus caminhando em cores como penas de pavões agitados, flores selvagens e incontáveis texturas, enquanto um coro, como no teatro grego, canta os primeiros parágrafos da “Tentação de Eva e queda do homem”, do livro da Gênesis, terminando com a repetição da súplica “diga-me a verdade”.

Eva é casada com Josef, e ambos vivem numa espécie de paraíso que remete a uma inocência infantilizada ao extremo – não se faz mais do que colher frutas, correr pelos bosques, ler ao sol e brincar com balões. Eva, então, num desses passeios, encontra Robert, e logo se encanta por ele e o segue por toda parte, de maneira diferente das outras mulheres que, pelo contrário, são abordadas por ele. A partir desse primeiro encontro, Eva começa a passar por uma transformação: ela já não se interessa por seu marido e tenta, por todos os meios, aproximar-se de Robert, que a evita.

Quando Robert, em meio a uma das brincadeiras com outros homens e mulheres, deixa cair uma chave, Eva, após tentar entregá-la a ele e ser ignorada, vai até a sua casa, e, entre outras coisas, acaba descobrindo que ele é um assassino em série. Ainda assim, continua fascinada por ele e vai mais além: fica obcecada em fazer dele seu próprio assassino.

Na mesma cena, Chytilová entrega o papel de Robert em sua representação do mito do Éden. Eva encontra uma bolsa contendo vários carimbos, marca a própria perna com um deles e vê o número seis aparecer em vermelho, pouco acima das meias brancas.

Robert, na realidade, não é o demônio em forma de cobra que seduz Eva, ele é o próprio fruto proibido. A transformação fica evidente quando Eva finalmente deixa seu marido para ir em busca de Robert, gritando seu nome pelo bosque e pedindo para que ele a mate. A morte dela, claro, é uma morte metafórica: Eva, vestida de branco, deixa que ele a amarre a uma árvore com um longo tecido vermelho, e que coloque em seu cabelo uma rosa da mesma cor. Quando ele retira o tecido, ela percebe, maravilhada, que seu vestido agora também é vermelho. Após deixar que ela o alcance, Robert proclama seu amor a Eva e é morto por ela.

(« então foram abertos os olhos de ambos e conheceram que estavam nus »)

De uma vez só, Eva toma conhecimento de tudo. Enquanto o coro volta a cantar “diga-me a verdade”, ela tenta voltar ao paraíso perdido, que agora tem muros que ela não consegue atravessar, ainda que sejam muito baixos. Ela corre de volta a seu marido, dizendo “não me peça para saber a verdade; eu também não quero saber dela”, mas ele não a reconhece mais.

O filme de Chytilová, antes de tudo, põe “a queda” em outra perspectiva: não é a serpente quem manipula Eva para que ela coma o fruto proibido, mas a própria Eva quem, enquanto humana, busca o conhecimento que destrói tudo o que ela imaginava ser e saber antes disso, colocando-a na posição irreversível da consciência. Não se trata somente da perda de uma inocência imbecilizada – um passo além, Chytilová mostra a condição intrínseca do ser humano, que procura compreender a vida mesmo que isso signifique a morte.