Lee Daniels pega pesado. Com Preciosa (2009) fez litros de lágrimas jorrarem dos olhos de plateias do mundo todo ao contar a história da menina negra, pobre, obesa, abusada e grávida de seu segundo filho. Agora com O Mordomo da Casa Branca, carrega igualmente nas tintas, mas sem o mesmo brilho e vigor.

O roteiro de Danny Strong e Wil Haygood foi baseado no artigo A Butler Well Served by This Election , de Will Haygood, no jornal Washington Post, sobre Eugene Allen, filho de escravos que trabalhou durante mais de três décadas na Casa Branca, servindo a oito presidentes. No filme, Eugene é Cecil Gaines, vivido pelo sempre eficiente Forest Whitaker, e sua mulher, Helene, vira Gloria Gaines, interpretada pela apresentadora Oprah Winfrey.

Repetindo feitos anteriores de ter nomes relevantes como coadjuvantes, Daniels completa o elenco com Vanessa Redgrave como a senhora de escravos, Mariah Carey como a mãe de Cecil, e Lenny Kravitz e Cuba Godding Jr. como seus colegas de trabalho. Além disso, Robin Williams (na foto em destaque, como o presidente Eisenhower), James Marsden, Milka Kelly, Liev Schreiber, Alan Rickman e Jane Fonda fazem os presidentes e suas esposas. Destaque para David Oyelowo como Louis, filho mais velho do casal e personagem relevante na trama.

Contudo, mesmo com uma história arrasadora e um elenco estelar, algumas decisões equivocadas – que haviam funcionado em Preciosa, mas que aqui parecem desencaixadas, sobretudo o excesso dramático explorado no drama familiar –, fazem O Mordono… perder sua força.

Além disso, Lee optou pelo estilo cartesiano de roteiros americanos que parecem escritos sob influência de Proust: buscando a madeleine dramática que leva o protagonista às rememorações que, de fato, são o principal da trama. O Curioso Caso de Benjamim Button (2008), Diário de uma Paixão (2004), O Resgate do Soldado Ryan (1998) e À Espera de Um Milagre (1999) (aparentemente Tom Hanks gosta desse formato) são alguns exemplos contemporâneos nesse estilo – e talvez o mais clássico, Cidadão Kane (1941), de Orson Wells, com a madeleine-Rosebud.

Em termos gerais, contudo, O Mordono… se aproxima mais de Forrest Gump (1994), de Robert Zemeckis, com personagens que testemunham a História (sim, com H maiúsculo). Seguindo um velho preceito hollywoodiano, a intenção de contar a história de um país a partir de uma família é mantida inclusive às custas de alterações na biografia de Eugene: no filme, Cecil tem dois filhos (Eugene e Helene só tiveram um), o mais novo vai ao Vietnã, enquanto o pai mantem-se servindo polidamente o asqueroso Nixon (John Cusack, com uma prótese de nariz que beira o circense), e o segundo filho engaja-se no movimento dos Panteras Negras.

Esses excessos do roteiro são sua fragilidade, porque o ponto alto está na interação desse homem negro com as maiores figuras da história americana enquanto velhos paradigmas raciais são destruídos. Mostrar Cecil como um militante da causa negra, como uma das versões do pôster oficial sugere (inserido na ficha técnica, ao lado esquerdo), parece uma falsificação. Diferente disso, Lee retrata seu mordomo como um pro-establishment que se recusa a discutir política e por isso mesmo é contratado à Casa Branca (“Não há espaço para política na Casa Branca” – diz seu empregador), um homem que replica o comportamento machista de sua época em sua casa e que rompe laços com o filho mais velho quando este começa a engajar-se politicamente.

Ainda surfando na onda do sucesso de Preciosa, O Mordono… de Lee Daniels já tem sido considerado ao Oscar, o que não chega ser surpresa, em se tratando de um roteiro histórico, que tem como pano de fundo a superação da segregação racial americana, com destaque a alguns “heróis” da democracia dos EUA e ainda por cima protagonizado por negros. É receita de sucesso para uma Academia cada vez mais mecânica. Posso até dizer que já sinto o cheiro de uma indicação a Oprah Winfrey como Atriz Coadjuvante – e talvez isso seja merecido.

Depois de homenageado pelo presidente Reagan e sua esposa Nancy nos anos 80, quando convidado a um jantar de gala ao embaixador alemão, Eugene disse, na mesma reportagem do Post, crer ter sido “o único mordomo convidado a um jantar de Estado na História” – sim, americanos tendem a generalizações, a pensar que o que acontece lá sempre é único no mundo. Assim sendo, é justo que o filme de Daniels termine com o grande feito da eleição e Obama, seguido pela segunda homenagem que Cecil recebeu, quando a trama sai do flashback e volta à primeira cena, com Cecil já idoso, na antessala do Salão Oval, prestes a conhecer o primeiro presidente negro da História (dos EUA, não do mundo).

Ao som do discurso da vitória de Obama, o filme acaba. Nessa hora, esperei pela bandeira americana tremulando no final da projeção, enquanto os créditos subiam, mas isso não veio – e talvez essa tenha sido a única surpresa que tive com esse filme de Lee Daniels.

http://www.youtube.com/watch?v=seioe981TTI