Nesta derradeira parte do artigo, sobre as novelas policiais até o cinema noir, contarei sobre o cinema contemporâneo que homenageia e é influenciado pelos filmes noir e novelas policiais. Muitas vezes brincando com signos e usando-os como metalinguagem, atualizando estórias e até revisando histórias reais.

Uma das () características mais evidentes dos filmes noir é sua fotografia cheia de contrastes. Muitos cineastas ainda filmaram histórias semelhantes às tramas dos anos 40 e 50 em fotografia a cores sem os altos contrastes. Tais produções acabaram sendo consideradas mais uma homenagem do que um filme noir, mesmo mantendo as características principais. Dessa maneira, alguns classificam esse cinema, que homenageia os antigos filmes, de neo-noir. Como exemplo podemos citar “Los Angeles: A Cidade Proibida”, que além de voltar e se situar na mesma época dos clássicos, consegue recriar uma trama inteligente e instigante, contando com todos os elementos essenciais de um filme noir. Entretanto, nesse caso citado, não existe contemporaneidade ou inovação em relação à edição e montagem. De mais atual, apenas a fotografia.

No entanto, alguns cineastas, como Brian de Palma, não se prendem aos pré-requisitos do gênero e de seu gênero subseqüente e, então, homenageiam esse tipo de cinema caracterizando suas personagens da mesma maneira que eram nas décadas de 1940 e 1950. O jeito anti-herói acaba por ser uma das características mais homenageadas no cinema hoje em dia. A tensão e o ambiente muitas vezes conseguem ser transportados pelas cores e, com a edição um pouco diferente de antigamente, acaba-se criando uma linguagem que casa o clássico e o contemporâneo, como podemos ver em “Olhos de Serpente” e “Vestida para Matar”, do diretor Brian de Palma.

Destaque maior pode ser conferido ao filme “Os Intocáveis”, que segue pelo subgênero de gângsteres e mantém uma linha narrativa similar ao dos filmes dos anos 40 e 50, sem contar, é claro, com a montagem com roupas da época, cenários e outras partes do setor de artes. Nessa produção ressaltamos a edição outra vez como forma de inovar a narrativa. Ela ocorre de uma maneira não tão frenética, mas com um timing maior de diversas situações acontecendo ao mesmo tempo, como podemos conferir na famosa cena da escadaria (uma homenagem a “O Encouraçado Potemkim” de Eisentein), no qual o policial, interpretado por Kevin Costner, precisa esquivar-se do tiroteio e parar o carrinho de bebê que está descendo a escada. Entretanto, nem tudo são flores para Brian de Palma. Sua investida de 2006, “Dália Negra” (baseado no livro de James Elroy, mesmo de “Los Angeles – Cidade Proibida”, que se inspirou em um crime real e não desvendado na década de 1940), não foi bem recebida pelo público e dividiu a crítica, apesar de ser uma trama mais complexa (assim como um livro) e trazer caricaturas muito acentuadas de suas personagens.

O retro é o atrativo em obras contemporâneas, presente no figurino e cenários que fazem alusão aos clássicos do gênero. Citando o novo clássico “Pulp Fiction – Tempos de Violência” , de Quentin Tarantino, vemos o aspecto retro e personagens que são anti-heróis carismáticos. Consumidores de drogas, violentos, mas que despertam interesse no público. Apesar do aspecto retro das personagens, não é possível definir uma época dentro do filme, o que o faz perder uma característica que, possivelmente, o classificaria como noir. A edição é outro ganho para a produção, pois a linguagem não-linear acaba mostrando que as pequenas histórias não são isoladas uma das outras, mas requerem atenção do espectador para entendê-la como um todo. Nesse caso, o filme não traz uma trama complicada e cheia de reviravoltas, pois essas são auxiliadas pela maneira como são contadas.

Os vencedores do Oscar de 2008 de melhor filme e direção também investiram no neo-noir em 2001, contudo de forma bem mais fiel. Os irmãos Coen se inspiraram em um cartaz de cortes de cabelo dos anos 40 para criar uma trama com crimes, chantagens, pessoas comuns em situações incomuns, transpondo um humor típico de um filme dos Coens. A construção do ambiente não apenas homenageia, mas reflete como as obras eram filmadas nas décadas de 40 e 50, utilizando metalinguagem e criando ironias, como o narrador que se apresenta e logo confessa que não gosta de falar.

Os detetives, policiais, bem-feitores, mal-feitores e tramas de mistérios se atualizaram, se modificaram e às vezes buscaram no passado uma nova forma para se renovarem. Hoje em dia eles fazem parte de escritórios particulares ou da perícia. Com tanta evolução, é bem difícil imaginar se eles caçarão zumbis ou investigarão crimes espaciais num futuro distante. Mas com certeza, sem eles, a literatura e o cinema perderiam seu ar de mistério.

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