Perto de nomes como Kim Ki-Duk e Park Chan-Wook, Hong Sangsoo é um completo desconhecido. Contudo, seu filme de 2012, A visitante francesa, foi indicado à Palma de Ouro e contava com a presença de Isabelle Hupert, e Filha de ninguém, seu trabalho mais recente, foi eleito um dos dez melhores filmes do ano pela revista francesa Cahiers du Cinéma.

Singelo e delicado, o longa se centra em Haewon, uma jovem estudante de teatro que não sabe bem o que fazer de sua vida. Sua mãe está se mudando para o Canadá e o relacionamento com um professor casado encontra-se em um beco sem saída. A moça se sente sozinha e parece ter chegado àquele ponto na vida em que alguma atitude precisa ser tomada.

Sangsoo não está interessado em um olhar para a “Geração Y da Coreia”, seu filme não almeja em momento nenhum ser uma análise do sentimento de desencontro dos jovens coreanos ou de suas dificuldades frente ao mercado de trabalho. O que o diretor busca é apenas acompanhar sua personagem, dar uma olhada em sua vida, e ao fazê-lo toca em algo universal e torna impossível a um certo espectador não se identificar com Haewon, e a qualquer um não se deixar cativar por ela.

A personagem é interpretada pela novata Jeong Eun-Chae com espontaneidade e leveza. Seu sorriso é fácil, seu andar distraído, ela parece flutuar pelas ruas da cidade da mesma forma como vaga por sua vida. Porque Filha de ninguém é um filme sobre isso: uma personagem sem amarras, sem âncoras, que flutua pela existência sem saber muito bem para onde virar-se.

Ela é certamente apaixonada pelo professor, mas não está disposta a passar o resto da vida esperando que ele largue a mulher e o filho pequeno, ou se escondendo e contentando-se com finais de semana furtivos, como uma amiga sua que há 9 anos sustenta um caso com um homem casado. Ela sente falta da mãe, mas não consegue se imaginar acompanhando-a ao Canadá; deseja ser atriz, mas ainda não se encontrou em sua arte. É tocante a cena, bem no início do filme, em que Haweon encontra uma de suas atrizes preferidas (interpretada por Jane Birkin) e a abraça efusivamente, um momento de contato genuíno que a lembra de sua inspiração inicial.

Como a interpretação, a câmera de Sangsoo também flutua. Com a câmera na mão ele anda atrás de sua protagonista, quase como uma sombra, um stalker que a segue de longe. Há muitos planos médios, com o tipo de enquadramento que teríamos se estivéssemos de frente para Haweon, conversando com ela em uma mesa de café, a atriz sempre centralizada. É um diretor que dá espaço para sua personagem e ao se afastar permite que ela assuma toda a complexidade e as nuances de uma pessoa real. De certa forma,  Filha de ninguém aproxima-se de Frances Ha ao ser um filme inteiro devotado ao ser de uma mulher.

Mas assim como Haweon é mais contida que Frances, também o é o filme coreano. Pouca trilha, silêncios longos, como os silêncios que se estabelecem entre a personagem e seus interlocutores, entre ela e o mundo a sua volta. Os outros personagens apresentam-se, embora não unidimensionais, menos complexos, menos dotados de nuances, já que os vemos apenas pelos olhos da protagonista. Nunca saberemos o que realmente sente o professor, mas sabemos como ele a faz sentir porque estamos enredados nela, em sua personalidade e seu olhar. E essa moça que nos guia bebe um pouco demais e flerta com a ideia de casar-se com um desconhecido porque já não sabe como desfazer seu próprio nó, Sangsoo não precisa de grandes cenas dramáticas para mostrar sua dor, até porque não fala de uma dor dilacerante, mas do sofrimento cotidiano da existência.

No final o filme não oferece respostas, permanece como um recorte da vida de alguém, um mergulho em seu deslocamento. Uma peça extremamente realista em sua delicadeza, quase como se seu autor tivesse medo de fazer barulho demais e perturbar a superfície da água onde observa o reflexo. É um belo filme, simples como poucos o são hoje em dia.