O Brasil deu certo? – essa pergunta tão simples, mas cheia de nuances é a linha de partida do documentário dirigido por Louise Sottomaior e idealizado pelo ex-Ministro da Fazenda (governo Sarney) Maílson da Nóbrega, atualmente em cartaz no Itaú Cinemas.

O Brasil deu certo? – inquere o entrevistador, tendo diante de si três ex-Presidentes da República, mais de uma dúzia de ex-ministros, sete ex-presidentes do Banco Central e outras autoridades máximas em se tratando da economia brasileira.

Sim, o Brasil deu certo. – respondem imperativamente os white-collars. Contudo, prontamente cada um deles levanta os pormenores diante dos termos em que o Brasil efetivamente “deu certo”: Deu certo e deu errado – diz um deles; O que é ‘dar certo’? – tergiversa um segundo.

Como tudo sobre o Brasil, a resposta não é simples, mas o filme de Louise não é uma tentativa de resposta, nem um guia simplório sobre nossa história econômica, mas sim apenas mais uma visão sobre um segmento específico do passado brasileiro. Quem conta essa história são figuras do passado que já pertenceram ao alto escalão da gestão pública e tiveram nas mãos poder para direcionar esse imenso barco chamado Brasil.

Goste ou não, esse documentário não sai às ruas colhendo depoimento dos cidadãos que viveram, por exemplo, a época da superinflação ou suas opiniões sobre o Plano Collor. Embora não muito democrático, o filme é necessário por reunir nomes importantes do passado da gestão econômica que juntos reveem os caminhos trilhados pelo país que hoje nos assentaram seguros e relativamente confortáveis diante do pandemônio internacional.

Divido em três partes, o filme começa com uma acelerada apresentação das bases da economia brasileira. O excesso de didática da estreante diretora faz com que a apresentação caia no infantil e de tão acelerada, faça o espectador sofrer para capturar as informações.

O que resta desta primeira parte é saber que o problema econômico brasileiro é embrionário, vindo do descaso dos colonizadores que viam essa terra brasilis apenas como fonte de matéria prima e renda, sem nunca se apegarem à região, como bem disse Sergio Buarque de Holanda em seu Raízes do Brasil (1936).

A segunda parte do filme tenta tratar dos anos de ditadura e do chamado “milagre econômico”, tendo à disposição alguns ministros daquele período. O que se entende é que a rigidez dos generais fez com que a economia fosse pensada em termos estoicos, por isso do sucesso do período. A maior revelação, contudo, é saber que quem efetivamente tinha o poder nas mãos eram os ministros, como Delfim Netto (1969-1974/1979-1985) e Reinaldo Costa Couto (1985-1989), fazendo com que os generais, como João Figueiredo (1979-1985), reclamassem de sua “falta de poder”.

Dessa parte, o comentário mais curioso é o de Ernane Galvêas, Ministro da Fazenda entre 1980 e 1985, sobre o eterno lema: Brasil, o país do futuro: “Éramos sempre o país do futuro. Estávamos sempre caminhando atrás do Futuro, e o Futuro caminhando com uma velocidade maior que a nossa.” – ou seja, éramos como aquele paradoxo do filósofo grego Zenão, em que Aquiles disputa uma corrida com a tartaruga, mas a tartaruga sempre consegue manter-se à frente de Aquiles.

A terceira parte do filme trata do período conhecido por “anos perdidos”, das sucessivas troca de moedas, desestabilização, dívida externa e hiperinflação (filha de empreitada de Brasília, quando JK descobriu que poderia “fazer dinheiro” – talvez sem saber que estava criando uma herança maldita).

Com Sarney e uma inflação a 5000% o Brasil começa a discutir planos que efetivamente estabilizaram sua economia. Os entrevistados falam da falta de sorte do país em ter seu primeiro Presidente democrático morto pouco antes de assumir, e de logo em seguida ter seu primeiro Presidente eleito diretamente tirado do cargo por má gestão. Fernando Collor (1990-1992) aparece, mas não para explicar-se e tampouco tem espaço para maiores considerações. Sua participação é mínima e o impacto de suas decisões estapafúrdias são pormenorizados pela narrativa.

Depois da tragédia-Collor, com Itamar Franco (1992-1995) nasce um novo país, mas, novamente, como tudo no Brasil, ainda de um jeito trucado e complexo. O país não se estabiliza, mas com uma nova equipe, consciente do cenário global, cria um novo plano monetário que, enfim, sustentou a economia brasileira: nasce o Real.

Nesse filme inegavelmente importante, o trabalho de Louise Sottomaior sai manchado por uma técnica ruim e uma edição atrapalhada, que mistura o discurso dos entrevistados, causando confusão e más interpretações. Maílson da Nóbrega, por sua vez, não decide bem em qual posição quer jogar: ora comentarista, ora narrador, gera desconforto por sua falta de naturalidade, se sai mais protecionista do que Dilma ao direcionar as conclusões e perder-se num otimismo infantil.

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Doc. nacional tem ponto positivo pela didática e negativo por tentar separar decisões econômicas de ideologias políticas

O Brasil deu certo. E agora? tem sido criticado por tentar esconder ideologias. De fato, o filme separa decisões econômicas de ideologias políticas, minimiza a ditatura, pega leve com Collor e só chega próximo à crítica quando estampa fotos em preto e branco de Lula e Dilma com a legenda de que ambos, bem como seus ministros, negaram participar do projeto.

De algum modo esse Aquiles chamado Brasil conseguiu alcançar a tartaruga. Sair dizendo que o país está “condenado ao sucesso” ou que será líder do mundo, como alguns entrevistados fazem, parece temerário. Comemorar os bons resultados e o progresso econômico que gerou benefícios sociais é apenas lógico, mas necessário ao Brasil parece ser a frase de Henrique Meirelles (BC 2003-2011): “Isso não quer dizer que [o Brasil] já deu certo e pode parar e descansar”. O Brasil deu certo, mas é bom tomar cuidado para não deixar a tartaruga passar à frente novamente.