“Quando estamos vivos absorvemos passado e ar; quando morremos, absorvemos química e organismos, procriação, tempo futuro, embora esse futuro já não valha nada.”
Nos primeiros meses de 2013, o lançamento de Nocilla Dream foi discreto e os comentários esparsos, eu mesmo só cheguei a conhecer o livro de Agustin Fernández Mallo através de indicação. A narrativa em zapping e os temas aparentemente desconexos me fisgaram, conquistando um lugar cativo entre as leituras do ano. O fim da leitura criou também certa expectativa para as duas partes restantes do Projeto Nocilla que, na época, não estavam confirmados para serem lançados no Brasil. Simultaneamente, martelava na cabeça a pergunta: “É possível manter fôlego com esse tipo de narrativa sem parecer uma repetição de ideias distintas aglutinadas?”. À princípio, não. Os microcapítulos iniciais de Nocilla Experience causam aquela náusea de estar lendo o mesmo livro, isto é, sendo enganado por um autor que conseguiu destaque com uma história original e resolveu apenas manter a fórmula.
Esse segundo livro do projeto não é uma continuação e Mallo mantém-se fiel ao estilo de escrever sem programação criando um vínculo, senão espiritual, metafísico, entre os temas que costura. Escancarando novamente suas influências literárias e trazendo as musicais – com citações de Beck, Patti Smith e Eddie Veder1– e cinematográficas – Apocalipse Now é evocado em diversos trechos – de maneira mais evidente. A segunda parte do Projeto Nocilla é bem mais divertida e original por não se prender apenas nos absurdos do cotidiano escondidos em pequenas e verossímeis histórias, mas nos absurdos dos seres humanos. Contudo, prepare-se para encontrar homens sedentos por vingança e por juramentos samurais desconexos, isso sem acrescentar as citações de Einstein no meio de tudo.
Há pessoas que se perdem em lugares que não importam a ninguém
Com personagens mais cativantes e ainda sim excêntricos, temáticas fantásticas e reais, o que me agradou de verdade em Nocilla Experience é o caleidoscópio temático da solidão do mundo moderno. Vemos solitários voluntários, involuntários, nômades e esquecidos vivendo nos dias de hoje, onde não há mais barreiras para impedir a convivência e os horizontes são figurativos.
Claro que há alguns resquícios temáticos de Nocilla Dream, como a presença forte dos desertos não somente físicos, deserto de teorias, o caminho do deserto, o deserto aéreo, entre outras analogias pontuais. Essa insistência em revisitar os desertos serve para abrir as portas para os temas principais de Nocilla Experience: horizontes, ou até onde chegamos e enxergamos, o limite que pode ser transposto, mas quando alcançado torna-se ainda mais distante. E nesse ponto podemos ressaltar as constantes alusões a ligações através de cordas, fios, etc. Agustin aponta para o mundo contemporâneo: tudo está ligado.
Eles não pertencem nem ao domínio da sombra nem ao da luz.
Como muitos cineastas ao firmarem um estilo próprio em suas filmografias – casos como de Quentin Tarantino e Terry Gilliam –, o que pode confundir o espectador a querer dar o rótulo de alguém que permanece em um terreno seguro, Agustín mantém mais do mesmo na superfície. Gabo já disse que escreve sobre a mesma temática e seus livros tampouco parecem uma repetição de si mesmo e conhecer o próprio estilo ajuda a aprofundar a história que deve ser contada. Por isso é bom afirmar que Agustín retoma e consolida a sua escrita desprogramada. Volta com humor um pouco mais ácido, em que ditadores, fanáticos religiosos e kamikazes são as mesmas pessoas; uma arma de destruição em massa costurada no estômago de pessoas é encontrada de maneira peculiar; um palácio de ludo abandonado num lugar da ex-URSS; um cozinheiro que faz pratos pós-modernos e ambiciona cozinhar o horizonte; e onde Julio Cortázar escreveu O jogo da amarelinha B em que Horacio e A Maga tem de dividir espaço com a teoria das bolas abertas2.
Aliás, reinvoco o nome de Quentin Tarantino outra vez para falar sobre a narrativa de Agustín. Apesar de não apreciar o diretor norte-americano, há uma coisa que liga os dois: eles são DJ’s. Sim. Os dois trabalham com múltiplas referências e alcançam um resultado original, não somente reciclado. Só quem tem um profundo conhecimento e uma sensibilidade artística forte consegue transformar o poço de informações e temas numa história original, diferente do que alguns classificam como colagem.
Bato o pé e afirmo que Nocilla Experience é melhor e mais interessante que seu antecessor, tem menos experimentos narrativos transgressores, o que o aproxima mais de uma novela em capítulos curtos feitos para a geração devoradora de informações. E aqui cabe a observação de que seu deslocado epílogo traz uma micronovela que ilustra como nós podemos estar ligados uns aos outros sem nunca perceber e quão malditas são nossas vidas na luta constante contra o tédio.
Se a qualidade for crescente, Nocilla Lab promete ser o melhor do Projeto Nocilla.
Felippe, muito boa sua resenha, como sempre aliás, eu importei os 3 livros após ler sua primeira resenha, li os livros em ordem cronológica, os dois primeiros achei bem parecidos, tive mais fluidez na leitura do segundo do que no primeiro.
Quanto ao terceiro pode se preparar muda tudo, o livro é dividido em somente 3 partes e para mim faz jus ao nome é um Lab(oratorio) de estilos. com direito a estoria em quadrinhos com nosso escritor mantendo um papinho com Vila-Matas em uma plataforma petrolifera.