Lembra do pesado treinamento do Garanhão Italiano, socando peças de carne e correndo pelas ruas da Filadélfia, em Rocky – um lutador (1976)? Alguns anos depois (1980), lembra da vida dura e temperamento explosivo do Touro Indomável no filme de Scorsese? Lembra de Stallone e De Niro no auge da forma física, jovens, desferindo golpes firmes e fazendo o mundo torcer por seus anti-heróis? Pois bem, esqueça tudo isso.

O tempo passou, e hoje De Niro é o vovó barrigudo de Entrando Numa Fria (2000), enquanto Stallone virou uma massa disforme de músculos e muito botox. Contudo, em Ajustes de Contas, de Peter Segal, seus músculos são chamados ao trabalho uma nova (última?) vez, num encontro improvável que funciona como revanche, mas, sobretudo, como ode ao boxe e aos filmes dessa temática.

No acelerado começo, explica-se que Henry ‘Razor’ (Sly) e Billy ‘The Kid’ (De Niro) eram os maiores nomes do boxe de seu tempo, mas isso foi há algumas décadas. No último combate entre os dois, Razor saiu vitorioso, mas misteriosamente desistiu da revanche pedida por The Kid e anunciou a aposentadoria às vésperas da luta. Trinta anos depois um especial de televisão faz seus nomes voltarem à tona, gerando interesse publicitário e reabrindo feridas, ensejando uma improvável possibilidade da tão esperada revanche.

Com seu estilo certeiro de fazer comédias escrachadas não caírem no besteirol (vide Tratamento de Choque, de 2003), Peter Segal extrai o melhor de seus protagonistas pesos pesados, brinca com os lutadores icônicos que interpretaram e ainda presta um tributo elegante ao esporte.

Há uma preferência por Rocky, e as referências sobre esmurrar carne e beber seis ovos quebrados pela manhã são divertidas aos fãs de seus filmes. Hilária é a sequência em que Razor e The Kid se encontram no estúdio de gravação de um videogame, onde estão com aquelas toscas roupas verdes de captura de movimento e, assim mesmo, começam a se esmurrar.

Completam o elenco Kevin Hart, como o agenciador; Alan Arkin, como o treinador de Razor (uma reconstrução de Mickey, o treinador rabugento do primeiro Rocky); Jon Bernthal (de The Walking Dead), como filho do The Kid e Kim Basinger, a razão da aposentadoria de Razor. Dentre esses, pode-se dizer que Basinger é a única decepção, não só pela personagem chata, que dá contornos emotivos a um filme que poderia muito bem ser só risadas e nostalgia, como também pela deficiência de atuação, com uma interpretação sem graça e um rosto menos expressivo que Stallone.

Tendo em mente que Ajustes de Contas é uma brincadeira, nostalgia pura de anos e músculos que já se foram, o filme torna-se uma delícia. Ao espectador cabe apreciar cada referência e rir das situações ridículas a que seus protagonistas se prezam (incluindo um exame de toque em Sly).

Contando com boas intervenções dos efeitos especiais (embora De Niro esteja com uma peruca ridícula), a reconstrução de rápidas cenas de lutas do passado não deixam a desejar, nem a piada final, já nos créditos, em que De Niro aparece como competidor do Dança dos Famosos, dando passos à la Fred Astaire.

Quando chega o tão esperando momento da luta final, a revanche há trinta anos engasgada na garganta de The Kid, há espaço para moralismos de superação e amizade, como havia em Rocky, porém sem cair no exagerado bom mocismo de evitar o combate. À certa altura do filme, The Kid diz à Razor: “somos velhos, mas estamos vivos” – e fiel a essa lógica, Segal nos brinda com uma excelente sequência de assaltos, em que suor e sangue encharcam os lutadores e animam a audiência. Difícil é saber para quem torcer.

Como se não bastasse a surpresa de encontrar esse pequeno e já querido filme – que tem passado sem muito barulho pelas salas de Cinema, especialmente em época de estreia nos filmes do Oscar -, o final de Ajustes de Contas ainda guarda uma hilária e deliciosa surpresa a todos que já sentiram frio na barriga vendo uma luta de boxe, um momento de puro brilhantismo cômico dos roteiristas e que, logicamente, eu não revelarei aqui, mas dou uma dica: envolve um lutador que perdeu a orelha e o outro que a comeu.

 

https://www.youtube.com/watch?v=AZt22IcFSVc