Pessoas são esquisitas. Quanto mais cedo nos habituarmos a isso, melhor. Peculiaridades, idiossincrasias, trejeitos, tiques e o ditado está certo: de perto, ninguém é normal. Uma de tantas características individuais que podemos observar é o tipo de humor a que essas pessoas respondem.

Pode ficar tranquilo: este não é mais um texto a respeito do humor brasileiro contemporâneo, da proliferação de apresentações de stand-up comedy, da discussão a respeito do politicamente correto. Não tenho muito a dizer além do que você pode conferir por si mesmo em um documentário no YouTube, em uma tirinha e um texto de Ricardo Tokumoto, em uma ou outra coluna de Antonio Prata. Em breve, a editora Intrínseca vai lançar um livro chamado Ele está de volta, de Timur Vernes, que promete tocar no assunto: Hitler acorda nos dias de hoje e vira um popstar com seu estilo politicamente incorreto hilariante. Melhor (re)vê-los e (re)lê-los.

O que me intriga – e me levou a escrever a coluna – é o choque de percepções entre um indivíduo e a plateia no meio da qual ele se encontra. Parto de dois exemplos pessoais para pensar a questão: a recente montagem brasileira de Quem tem medo de Virginia Woolf?, dirigida por Victor Garcia Peralta, e o filme Ela, dirigido por Spike Jonze.

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Uma das peças escolhidas para a mostra oficial do tradicional festival de teatro promovido em Curitiba foi Quem tem medo de Virginia Woolf?. Escrita por Edward Albee, ela ganhou o Tony e foi brilhantemente adaptada para o cinema por Mike Nichols, com Elizabeth Taylor e Richard Burton. A Zezé Polessa e Daniel Dantas foram dados os papéis de Jorge (George) e Marta (Martha), na montagem brasileira – que ganhou elogios de Barbara Heliodora.

Eu, que não planejava ver peça alguma do festival, aceitei de bom grado o par de ingressos oferecido por uma amiga. Antes tivesse mantido os planos de ir para a academia.

Por ora, tento deixar de lado alguns problemas que podem ter sido específicos da apresentação em que estive – ou das apresentações que ocorreram em Curitiba –, como as falhas de som (os amplificadores fizeram aquele barulhinho chato, um leve chiado, durante boa parte da primeira metade da peça; a trilha sonora dramática, a que recorreram em alguns momentos-chave, sobrepujava a voz dos atores e não permitia escutar o que falavam – aliás, isso ocorreu em algumas cenas mesmo sem música alguma) e o cenário montado num ponto do palco muito distante do público (sim, é legal que o cenário fique escondido atrás das cortinas de veludo enquanto as pessoas buscam seus lugares, mas, mesmo na plateia, onde ficam os assentos mais próximos do palco, a sensação era a de que se estava vendo o espetáculo do segundo balcão).

Isso tudo seria passável não fossem as risadas do público. O texto de Albee, um duelo verbal, algo entre o MMA (pela agressividade) e o xadrez (pela inteligência), entre um casal amargo de meia-idade foi recebido pelos curitibanos como uma esquete de Zorra Total. A sensação era a de ver um sitcom em que acrescentaram a claque (ou trilha de risadas) sem o menor critério. Zezé Polessa falava “bundão” e todos pareciam se matar de rir; um ator carregava ligeiramente no sotaque carioca e recebia em troca uma explosão de risos. O prêmio da gargalhada mais inadequada talvez vá para a que ocorreu no momento em que Marta fala do gelo para os drinques produzido com suas lágrimas.

Não tenho como saber se o timing dos diálogos foi prejudicado pelas risadas constantes ou se elas já eram esperadas (ou até desejadas) e o ritmo do espetáculo tinha algo de manco desde o princípio. Torço pela primeira opção.

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Já falei d’Ela em um texto anterior. Gostei tanto do filme que fiz questão de vê-lo no cinema – sim, graças ao nosso bom amigo torrent, eu já tinha conferido a obra no conforto da cama.

Na sala de projeção, pensei em como tudo seria diferente dessa vez. Não era apenas o tamanho da tela: era o amigo que estava junto e ainda não tinha visto o filme (e se ele detestar?); aliás, era um monte de pessoas cujas reações seriam impossíveis de prever. O amigo gostou, ufa. Mas, se por um lado foi interessante ser lembrado da quantidade de cenas genuinamente engraçadas presentes no filme (e rir junto com a galera), por outro foi esquisito ver o povo gargalhando em inúmeros momentos que não julguei serem risíveis.

Ok, a premissa é meio viajadona (principalmente levando-se em consideração o estado atual da tecnologia); tudo bem, Joaquin Phoenix fica mesmo esquisitão com aquele bigode; e, pfff, quem sou eu para falar de gente que dá um riso meio nervoso por não saber como reagir a algo inusitado que vê? Mas o filme escolhe não julgar os personagens, não tratá-los com ironia; o diretor dá um trabalho enorme a quem quer saber se deve se identificar e se conformar com o rumo das coisas ou se preocupar e ir contra a corrente. Enquanto isso, o que senti naquele riso todo foi: as pessoas viram o filme de longe, com tanto distanciamento que a obra se tornou mais uma comediazinha sobre um cara besta que se apaixona por um computador. E não é – assim como Quem tem medo de Virginia Woolf? não é uma comediazinha sobre um casal bêbado que convida outro casal bêbado para beber (todo mundo adora rir de uma bebedeira).

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As risadas nunca são baixinhas – aliás, são bem altas. E durante a gargalhada você acredita que todo mundo está rindo, menos você – o que certamente não é o caso –, o que ajuda a perder a fé na humanidade, seres que não conseguem se relacionar com o próximo (falta de empatia ou de suspensão da descrença – “ah, é apenas ficção”?)  – em vez de apenas lamentar por uma parcela dela. E aí você pensa em liberdade de expressão, diferenças de percepção e em como você não conhece nada da vida daquelas pessoas e não deveria querer controlar a reação delas. E deixa quieto.

Não que eu tenha me importado tanto com o que aconteceu no teatro – os defeitos (possivelmente pontuais) da apresentação vista foram suficientes para me impedir de dar a mínima para a percepção sitcomnesca do público (talvez o mesmo não se desse ao ver o filme de Mike Nichols num cinema). No caso de Ela, no entanto, me preocupei com aqueles tantos a rirem automaticamente, como se exigindo serem entretidos pois-é-para-isso-que-pagamos-pra-ver-essa-droga-de-filme. Um monte de gente rindo de um cara que pagou para ter suas necessidades de afeto, diversão, companhia e amor atendidas por um sistema operacional.

É como se eu risse do Coyote que cai de um precipício. E não percebesse que corri demais atrás dele e também perdi o chão.

coyote-fall

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Três seriados de comédia nos quais não vejo lá muita graça (apesar da premissa interessante):

* New Girl
* About A Boy
* The Big Bang Theory