A sujeira tornou-se estética cinematográfica; em algum momento, por algum motivo, os realizadores notaram que o mundo cão e a vida dura eram cenários perfeitos para estabelecer dramas realistas e explorar a miséria humana. Vimos isso em Réquiem Para um Sonho (2000, Darren Aronofsky), com sua fotografia obliterante; vimos isso muitas vezes em westerns, sobretudo nos modernos, como Onde os Fracos Não Têm Vez (2007, irmãos Coen); ora, vimos isso até no brasileiro Cidade de Deus (2002, Fernando Meirelles).

Alguns diretores, inclusive, abraçaram o estilo e o levam como marca, como David Fincher, que depois dos sujos e maravilhosos Seven (1995) e Clube da Luta (1999) em seus trabalhos mais recentes caiu no ascetismo da fotografia azulada, vide A Rede Social (2010) e o seriado House of Cards (desde 2013). Guy Ritchie também carrega essa pegada, mas geralmente se perde na fotografia, vide Rock’n’Rolla (2008). Scott Cooper, iniciante e bem menos famoso, também abraça esses mesmos elementos, carregando sem medo nas tintas e sombras em seus dramas familiares, porém muito consciente dos objetivos que carrega – no caso de Tudo por Justiça, revelar contextos sócio-políticos bem mais amplos, fortes o suficiente para arrastar os protagonistas.

Ator nos anos 90, quando não conseguiu muita projeção, Scott ganhou certo espaço por Coração Louco (2009), história comovente que levou Jeff Bridges à conquista de seu tão merecido Oscar de melhor ator. Com isso, hoje tem cacife para um elenco que soma Christian Bale, Casey Affleck, Woody Harrelson, Willem Dafoe, Zoe Saldana, e coadjuvantes de  luxo como Sam Shepard e Forest Whitaker.

Com roteiro partilhado com Brad Ingelsby, o diretor se propõe a contar, com muita sujeira, pobreza e dramaticidade, as agruras dos irmãos Baze diante da falência da sociedade americana/capitalista, retratada a partir da pequena Braddock, Pennsylvania. Enquanto Russell é um bondoso (resignado?) operário da siderúrgica, preocupado com o pai moribundo e apaixonado pela namorada (Zoe), que quer filhos, Rodney (Casey) é um teimoso e atormentado rapaz que passa seus dias apostando no jockey com dinheiro emprestado do agiota John Petty (Willem Dafoe). Daqueles que se sentem responsáveis por tudo e todos – tal vez utilizando-se disso como justificativa para sua falta de ação e insucesso na vida –, Russell se complica drasticamente quando tenta saldar as dívidas do irmão e acaba cruzando o caminho do perigoso e alucinado Harlan DeGroat (Woody Harrelson, o melhor do filme).

O filme é basicamente sobre decadência (moral, política e econômica) e família, mas seu grande problema está na construção do arco da história, que soma muitas situações e um excesso de viradas dramáticas, resultando num primeiro ato melhor do que o segundo. Sem nunca estarem numa situação propriamente boa, os personagens são sufocados pelo torvelinho da vida bruta e de alguma forma conseguem ficar ainda piores: Russell (Christian) vai parar na cadeia por matar duas pessoas ao dirigir bêbado; seu irmão, Rodney (Casey), parte ao Iraque, como soldado . Ambos retornam de seus exílios/infernos em condições muito piores do que as de outrora, mas retornar também não é um alívio, o inferno está dentro de nós e à nossa volta, não importa por onde estejamos.

Em sua sistemática concatenação de desgraças, Scott afirma, reafirma e treafirma (sic) que a vida não é lá muito bonita. Não só “o homem é o lobo do homem”, como em Hobbes, como nem um Estado forte, liberal e tão idealizado como o estadunidense traz condições muito satisfatórias. É a morte do sonho americano, mas uma morte lenta e angustiante, arrastando milhares de vidas junto a si.

A usina de Braddock está prestes a fechar e Russell, ex-presidiário e sem muita formação, tem que enfrentar mais essa crise, além de ter perdido o pai, morto, e a namorada, que o trocou. Rodney, perdido e orgulhoso, repugna-se com a possibilidade de levar uma vida como a de seu pai e de seu irmão, trabalhando na usina, por isso envolve-se em lutas livres ilegais promovidas pelos criminosos Petty e DeGroat. As consequências de seus atos, porém, nesse cenário cosmicamente injusto que nos traz Scott, não cai apenas sobre ele, mas também sobre seu irmão. Assim, todos os personagens são sorvidos mais e mais ao submundo de uma sociedade decadente, onde nem mesmo a justiça ou a lei (representadas pelo chefe de polícia Wesley, de Forrest Whitaker) mantêm-se em pé.

À parte das boas atuações (esperadas, em se contando com tantos bons atores), nada de muito novo surge daqui. Dramatizar relações fraternais diante de um cenário inóspito, seja a pobreza, a crise ou a guerra, já foi tema de filmes muito melhores, como Entre Irmãos (2009, de Jim Sheridan). A eficiência técnica de Scott é inegável nas boas escolhas de fotografia, conduzida por Masanobu Takayanagi em tons soturnos, pela boa trilha sonora e pelo espaço que oferece às interpretações. Há espaço para Bale, Casey e Harrelsson brilharem com escolhas muito próprias, e assim eles trazem à tela sutilezas dramáticas que vão desde a mudança no tom de voz até o movimento dos olhos. Dessa forma, Woody Harrelsson não parece ter tido nenhuma dificuldade para criar uma figura assustadora –  justo ele, tão naturalmente engraçado. Já Bale dá contornos tão tangíveis a seu Russell que apaga qualquer chiado de personagens anteriores. Assim, o resultado da equação de Scott é positivo, porém não sensacional, e o que conta mesmo é o valor incomparável de cada elemento em separado.

http://www.youtube.com/watch?v=nKPzTkCyLjQ