por Thiago Souza de Souza

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Minha motivação para ler Extremamente alto & incrivelmente perto era a mais evidente possível: me identificar com Oskar, um menino de oito anos que perdeu o pai no atentado ao World Trade Center naquele tenebroso 11 de setembro de 2001.

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Quando meu pai morreu, eu era mais novo que Oskar: tinha três anos, o que significa que minhas lembranças do Pai se resumem a apenas duas cenas. Já Oskar tem suas memórias afetivas: ele e o pai compartilhavam brincadeiras, procuravam juntos erros no New York Times, conversavam sobre religião e ciência, o pai contava histórias e o filho ouvia e as interrompia a toda hora. É de tudo isso que Oskar sentirá falta depois do Pior dos Dias.

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(Será que é justo e legítimo dizer que sinto saudade de algo que nunca tive? Como poderia sentir falta do meu pai se ele nunca esteve presente, se ele não foi real para mim? Mas eu sinto  saudade e alta.)

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Oskar é um geniozinho carregado de ironia. Jonathan Safran Foer soube usar o tragicômico para anular um possível efeito dramalhão que seu segundo romance (o primeiro é Tudo se ilumina) poderia causar, armadilha em que o diretor de Tão alto & tão perto não deixou de cair ao adaptar a obra para o cinema. O livro é extremamente triste, mas também incrivelmente engraçado.

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Tentando viver no meio do caos que se tornou a sua vida, Oskar encontra no closet do pai um vaso azul, onde há um envelope com uma chave dentro. Black: é isso que se lê no envelope e é essa a única pista que Oskar tem para descobrir o que aquela chave antiga abre e por que ela tem a ver com seu pai, com a sua história. É necessário se agarrar em alguma coisa, eu sempre segurei firme em minhas duas lembranças do Pai e em um troféu que uma vez ele ganhou jogando futebol. Oskar faz da busca por uma fechadura sua maneira de não esquecer, de continuar ligado ao pai, de estar perto de quem não está mais aqui.

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(É possível aceitar?)

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Uma história de perda não é exclusividade de ninguém. Eu perdi um pai, minha irmã perdeu um pai, minha mãe perdeu o marido, meus avós, o filho, meus tios, o irmão. Thomas Schell, o pai de Oskar, já havia perdido ele próprio o seu pai, que abandonou a mulher grávida e voltou para Dresden, Alemanha. Por mais óbvio que seja, a mãe de Oskar perdeu o marido, a avó perdeu o filho. Histórias de perda se repetem, se atravessam, se chocam, se duplicam. É inevitável.

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Inventar coisas e fazer roxos nele mesmo, é isso que Oskar faz quando as coisas estão difíceis  e quase sempre estão. Suas botas ficam pesadas, ele sente vontade de chorar. Ele acha que a mãe tem uma parcela de culpa nesse sofrimento todo, ela não devia dar risadas com Ron, um amigo, na sala. A vida é impossível, Oskar diz para seu terapeuta.

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Enquanto Oskar bate à porta de um bom número de moradores de Nova York que têm o sobrenome Black, o avô, aquele que fugiu, escreve cartas para o filho que não chegou a conhecer. Explica seus motivos. A avó, por outro lado, escreve para o neto: ela precisa dizer o quanto o ama. É evidente que as narrativas se cruzam, às vezes dando conta de uma mesma parte da história, contada a partir de pontos de vista diferentes.

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É a tragédia de amar, nada pode ser amado com mais intensidade do que aquilo que nos falta, escreve o avô de Oskar.

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Safran Foer é um escritor criativo. Alterna a voz em primeira pessoa de Oskar e as cartas escritas por seus avós com diferentes artimanhas narrativas: imagens, trechos do diário do avô que ocupam uma página inteira, letras comprimidas para indicar que o espaço no papel estava por acabar, números, fotos, palavras circuladas etc. Inventivo, o rapaz.

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O avô de Oskar nunca chega a enviar nenhuma de suas cartas ao filho.

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Como o pai de Oskar morreu? Ele teria se atirado de uma das janelas ou morrido queimado? Onde o corpo foi parar? Que diabos aquela chave abria? O pai a deixou de propósito para o filho?
E se Oskar tivesse certeza sobre a maneira como o pai morrera? E se dentro do caixão estivesse deitado um corpo sem vida? O que mudaria? Não se sabe. Mas o menino queria dar algum sentido às suas dores, o seu luto tinha de ser real, ele não suportava mais imaginar.

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É engraçado. Um dos meus hábitos é imaginar o que o pai pensaria de mim hoje, como seria o nosso relacionamento, seríamos amigos?, eu torço para o Grêmio, ele era colorado, e nos Grenais?, minhas sobrinhas chamando ele de vovô, o que ele mais gostava de fazer?, meu pai segurando as netinhas no colo, meu pai fazendo algo que eu não goste, eu conseguiria brigar com ele?

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Oskar vai ter de aceitar a morte do pai  o fato de que nunca mais vai vê-lo. Eu também tive. Às vezes a única coisa que nos resta é imaginar.

Sobre o colaborador: Thiago Souza de Souza estuda jornalismo, torce pelo Grêmio e tem a convicção de que churrasco e cerveja na companhia dos amigos é o que realmente importa. Vive em Porto Alegre.