Canto mentalmente uma música dos Mutantes por alguns minutos, antes de perceber que a letra está errada. Não, eles não cantam “Ando meio irritado, eu nem sinto meus pés no chão”. Preciso me lembrar disso.
Acho que tudo tem a ver com a dupla que protagonizou uma de minhas colunas, semanas atrás. Um daqueles caras se irrita com a leitura de um livro ruim (“Oh-oh-oh-oh-oooh! Oh-oh-oooh-oh-oh! Caught in a bad romance.”), enquanto o outro começa a gostar do enredo e tenta não ligar para os clichês (“ler um mau romance ajuda a valorizar os bons”).
(O bom de escrever sobre clichês é: esse tipo de texto já foi escrito tantas vezes por tantas pessoas que é um exemplo excelente do que é um clichê.)
Depois que você já leu um tanto, dá para perceber algumas recorrências nas leituras, como certo tipo de narrador ou determinada estrutura seguida pelo livro. Algumas situações e tipos de personagens se repetem, o que pode deixar a trama previsível – mesmo algumas reviravoltas podem ser antecipadas. Algumas expressões cotidianas podem tornar o livro mais acessível e, simultaneamente, denotar algum desleixo na linguagem. Tipos diferentes de clichês.
Tudo isso é necessariamente ruim? Não. Tem quem goste tanto de certos estilos/autores/gêneros que aprecie essa certeza de que reencontrará tudo isso na próxima leitura. Ser original deve ser um objetivo? Só se for para gerar risadinhas. Difícil mesmo ser original, hein?
Houve uma época – também conhecida como adolescência – em que eu acreditava ter as ideias mais originais. Depois dela, chegou o tempo em que comecei a descobrir o quanto todas já tinham sido usadas há muito tempo, diversas vezes – clichês, portanto. Assim, é instaurada a inevitável crise de relevância: para que escrever algo se já o fizeram antes? Hoje, no entanto, se leio algo parecido com o que pretendo escrever, sinto a sintonia com o mundo: a ideia não parece loucura minha e há o reconhecimento de que há um público para aquele tipo de escrita.
(Acabei de resumir mais de uma década da minha vida: adoro concisão.)
É preciso “mastigar o clichê como se fosse chiclé”, diria um poeta que conheço1. Seja lá o que isso signifique pra você.
Mas não vim falar de mim nem do livro ruim. Vim falar de irritação: estou irritado. E vim recomendar, como quem não quer nada, a leitura de algo que tem me deixado menos irritado: a pior musa possível para um escritor iniciante. Sim, tem o povo da página AjudaEscritor, que conheci recentemente e é joinha, mas a pior inspiração (e a mais engraçada) se chama The Worst Muse.
Ela critica algumas recorrências dos enredos lidos nas quartas capas, algumas situações de mau gosto, algumas frases-feitas etc. Selecionei algumas e traduzi livremente. Espero que gostem.

Vale a pena tirar os óculos dele, caso você use. Se funciona com o Clark Kent, funciona com qualquer um.

Vampiros são uma boa carta na manga.

Afinal, você não quer correr o risco de que ninguém saiba o que se quis dizer com “ele correu como uma garota“, né?

Vai ser pior se os seus leitores descobrirem só no cinema que uma personagem não era branca. Evite.

Já pensou neles imaginando uma barriga saliente ou uma corcunda? Eca.

Basta uma viagenzinha no tempo.

Só para diferenciar dos vampiros que não são sexies (ou não são fantasmas).

“Ela tinha o rosto da filha que Cameron Diaz e Kate Winslet teriam.”

Assim, a gente esquece que eles têm câncer e sofre mais quando ele morre, do nada. Mas, pelo menos, ele continua bonito no caixão: é isso que importa.

Né brinquedo não.

Aconteceu de verdade, não é? Tá duvidando da minha avó, é isso?

Prêmios literários amam um bom e velho estupro.

Todo mundo ama vampiros!
- Carlos Moreira. ↩
Essa do estupro, pelo menos pra mim, é muito uma voadora na cara de Coetzee. Apesar de eu gostar MUITO dele. 🙂
Hahahahaha. Fer, JURO que pensei a mesma coisa. E só li um dele. Eu também gosto dele, mas… TENSO!
Tem uma lá no Twitter que é muito indireta pro Roth, Dicker, Nabokov etc. rs
Tuca, acho que lemos o mesmo livro (ou será que ele realmente usa o mesmo recurso em outros livro???) hahaha. Tenho essa mania de dizer que gosto de fulano se gosto de tudo que conheço da pessoa; nesse caso, o admirável Desonra <3 e só.
Não li Dicker nem Nabokov, mas acho uma blasfêmia falar no santo nome de Roth em vão (do qual também só li um livro, mas sou/estou apaixonada!!). No entanto, não acho que seja difícil saber qual o teor do comentário… hehe
Justo esse. rs
O tweer é esse: https://twitter.com/WorstMuse/status/485575642923028480
Além de “A marca humana”, em que um professor velhão fica com uma mulher bem mais jovem (que meio que é sua pupila), algo me diz que também há esse mote em “O professor de desejo”, que nunca li.
Tem esse mote em O Animal Agonizante.
Ou a Alice Sebold, já que quem tuíta parece conhecer bastante de Young Adult.
Nunca ouvi falar dessa. Ela curte um estupro no meio do enredo?
“The Lovely Bones”.