Quando a pauta do Jornal Rascunho de março de 2014 foi fechada e a cada um dos colaboradores resenhistas foi designada uma obra a ser analisada, recebi a informação de que escreveria sobre Reprodução, de Bernardo Carvalho. A situação – resenhar o último romance de um de seus autores favoritos – se assemelhava a uma anterior. E isto expus como preâmbulo à resenha.

Há um ano e meio, escrevi minha primeira resenha para o Rascunho: a obra sobre a qual falei era o último romance de Michael Cunningham, Ao anoitecer. Por ser um de meus autores favoritos, eu não ficaria satisfeito em tratar apenas do livro em questão: tinha de relacioná-lo aos quatro romances anteriores do autor.

Michael Cunningham é um dos membros fundadores da Trindade do C. Esta não é uma instituição amplamente reconhecida — para ser franco, não há provas de que ela exista oficialmente em outro lugar além da minha mente. O grupo é composto por três escritores cujos sobrenomes têm a mesma inicial. Tudo bem, não é apenas isso: são autores que admiro, cujas obras completas quero devorar; são contemporâneos, vivos e, melhor ainda, continuam a escrever. São eles: Michael Cunningham, Michael Chabon e Bernardo Carvalho.

Enquanto o último romance de Michael Chabon resta intocado no e-reader (espero que saia o quanto antes a tradução de Telegraph Avenue), o mesmo não pode ser dito de Reprodução, último de Bernardo Carvalho, lançado ainda em 2013.

Não só o li. Também pude, pela primeira vez, acompanhar a recepção da imprensa a um livro do escritor: as entrevistas com o autor, os comentários iniciais, a evolução das sinopses — das primeiras, mais vagas, às posteriores, mais abrangentes ou precisas. Costumo evitar tanta informação prévia, mas havia algo de irresistível em comparar o que diziam diferentes veículos de comunicação — o que era repetido e o que era exclusivo. Além disso, surpreendeu-me tanta atenção dada pela mídia: por um ano e meio acreditei que a Trindade do C estava destinada a ser ignorada quando dos lançamentos dos novos livros de seus membros — “ignorada” talvez seja uma palavra forte demais, mas certamente não vi muita gente comemorando comigo o lançamento de Ao anoitecer.

Apesar de os membros da Trindade do C não serem muito populares, compreendi a receptividade ao décimo romance de Bernardo Carvalho como uma mistura de reconhecimento pelos muitos prêmios já recebidos pelo autor e o fácil interesse do público por um livro em que o escritor “parece fazer picadinho — com um humor convulsivo — de um típico personagem da nossa era: o comentarista de blogs e portais da internet”, tal como discorre a quarta capa do livro. Todo mundo conhece a figurinha: ou já viu algum comentário que fez perder momentaneamente a fé na humanidade ou já escreveu um, mesmo que ironicamente.

Não estava enganado a respeito da popularidade do escritor que estudo: às formas de recepção pela imprensa citadas na resenha posso acrescentar a recente indicação do autor como um dos semifinalistas indicados ao Prêmio Portugal Telecom de Literatura 2014, na categoria romance, e um dos finalistas do Prêmio São Paulo de Literatura para autores não estreantes. Mas voltemos a discorrer a respeito de semelhanças e do conjunto que dá título a esta coluna: a Trindade do C1.

cunninghamcrichard-phibbs-color-768x10241

As semelhanças não se circunscrevem apenas à inicial dos sobrenomes dos autores; tampouco, ao favoritismo pessoal – área mais nebulosa e menos científica da crítica literária. Os três estão na faixa dos 50 aos 65 anos (Michael Cunningham, o mais velho, é de 1952; Michael Chabon, o mais jovem, de 1963), são escritores que continuam em plena produção literária – Cunningham há pouco lançou mais um romance, The Snow Queen. E todos receberam alguns dos prêmios mais importantes em seus países: além dos diversos de Carvalho (que incluem Jabuti e o da APCA), o destaque vai para o Pulitzer de Ficção de 1999 de Cunningham por As horas, a mesma honraria dada a Chabon em 2001 por As incríveis aventuras de Kavalier & Clay.

Curiosamente, muitas das obras dos três foram lançadas no Brasil pela Companhia das Letras – a saber, todos os livros de ficção de Carvalho, mais da metade dos romances de Chabon (ela detém os direitos de Associação judaica de polícia, A solução final e Telegraph Avenue, enquanto Usina de sonhos e As incríveis aventuras de Kavalier & Clay foram publicados pela editora Record) e toda obra de Cunningham já traduzida – The Snow Queen será o primeiro dele a ser lançado por outra casa editorial, a Bertrand Brasil.

A paranoia labiríntica e fragmentária de Carvalho, o caráter contemplativo e algo melancólico de Cunningham e o dinamismo de Chabon em sua busca por reinventar gêneros literários subvertendo-os não permitem que muitas semelhanças sejam apreendidas no que tange aos seus enredos.

Há, no entanto, um tema e uma presença recorrentes nas obras dos três escritores. O tema é o do suicídio – em maior ou menor grau, com destaque ou como subtexto, ele aparece o suficiente para ser considerado recorrente. A presença é a de personagens homossexuais: temos nas obras um panorama abrangente de personagens que, devido à complexidade com que são retratados pelos escritores, fogem dos estereótipos e caricaturas. Antes de dar seguimento à coluna, um parêntese sobre a abordagem típica de que a Trindade do C foge.

(Segundo Gregory Woods, em seu A History of Gay Literature, estereótipos não são nada estranhos a romancistas populares (p. 237): “The fact is that popular novelists have been exploiting homosexual men – to put it in a negative manner – by stereotyping them, or rather by reinforcing popular stereotypes of them, for most of the twentieth century.” Restrinjamo-nos a dois exemplos recentes. O premiado Habitante irreal, de Paulo Scott, uma obra bastante politizada do que tange à questão indígena no país, se destaca pela forma desdenhosa com a qual se refere a personagens gays – quando se dá ao trabalho de fazê-lo: “aquela bicha anoréxica do Etienne” (p. 89); “Vicente Fininho, repita-se, é uma bichinha judia e nervosa” (p. 178). Elvira Vigna, em seu ensaio “Barbas pouco confiáveis”, sobre o também premiado romance Barba ensopada de sangue, de Daniel Galera; nele, discorre sobre dualidades dicotômicas, sobre gêneros e, logo após citar a questão da representação feminina, declara:

Não há gays.

“Do tabu do homossexualismo e o monte de problemas que isso traz. Pessoas sofrendo na vida privada.” (263)

É o único momento do livro em que a homossexualidade é referida. Eu poderia analisar um por um os sintagmas escolhidos. Mas vou ficar só com ‘tabu’, deixando de lado o reducionismo da “vida privada”. Deixo de lado também a escolha de “homossexualismo” e seu sufixo denotador de anormalidade. Tabu então. Tabu está no campo semântico do religioso, do sagrado. O narrador considera que a atitude antigay da comunidade de pescadores não é um preconceito, uma violência social e uma ignorância, mas uma consequência do sagrado.

Ambos os romances citados, quando cedem espaço às homossexualidades, o fazem por meio de uma abordagem conservadora – uma possibilidade narrativa com a qual se identifica uma grande parcela da população brasileira, válida como tantas outras, mas que, em minhas pesquisas, me interessa apenas como contraponto à obra de Bernardo Carvalho.) 2.

É então que me lembro do que foi escrito por Colm Tóibín sobre a importância da crítica literária que analisa a relação entre biografia e obra literária dos escritores. Talvez esta seja uma característica do mundo contemporâneo, mas talvez sempre tenha havido a curiosidade, por parte do leitor, em saber o quanto de uma obra de ficção tem a ver com a vida “real” de quem a escreveu – a diferença consistindo na existência da tecnologia, da internet e das ferramentas de pesquisa atuais na busca por tais informações.

E, nesse sentido, os três autores da Trindade do C nos proporcionam um interessante comparativo.

Michael Cunningham é um escritor abertamente gay, há décadas com o mesmo parceiro, Ken Corbett. Ao comentar sobre o Pulitzer que ganhou pelo romance As horas – livro que foi adaptado para o cinema e apresenta uma forte relação com Mrs. Dalloway, de Virginia Woolf –, o autor revelou que renega o conceito de que uma obra “vença” as outras em um prêmio literário. Também comentou a respeito da importância de que uma obra que apresenta personagens femininas com certa ambiguidade sexual e que toca no tema da epidemia da aids tenha alcançado tanta visibilidade – ao ponto de várias pessoas terem-no abordado para festejar que “eles tenham ganhado essa” –, ao mesmo tempo em que fez a ressalva de que não pôde deixar de notar que só recebeu um prêmio de tal quilate por uma obra em que não há uma representação explícita de sexualidade entre homens3.

Contudo, em outra entrevista, o autor revela que não gostaria de ser colocado em um nicho – isto é, em ser visto apenas como um escritor gay –, de modo que esta não seja a característica primária a ser vista em seus livros4. Nada mais justo para quem escreveu sobre o quanto do amor livre pregado em Woodstock restou nos tempos contemporâneos (Uma casa no fim do mundo), para quem narrou um épico familiar em que uma geração tenta superar a – ou sobreviver à – anterior (Laços de sangue). E entrelaçou as vidas de três mulheres, símbolos do sistema literário – uma escritora, uma leitora, uma editora – em diferentes épocas (As horas), investigou a influência da tecnologia no trabalho humano, desde a máquina a vapor até um futuro nada promissor (Dias exemplares) e refletiu sobre os perigos da busca pela beleza na vida de um galerista de meia-idade (Ao anoitecer).

Michael Chabon, por sua vez, não se considera gay; é, aliás, casado com Ayelet Waldman, romancista ainda não publicada no Brasil, com quem tem quatro filhos. Ser casado com uma mulher quando do lançamento de Usina de sonhos – título brasileiro para The Mysteries of Pittsburgh – não impediu que o citassem em um artigo da revista Newsweek intitulado (em tradução livre) “Fora do armário e presente nas estantes”. Tudo isso porque ele era um jovem escritor cujo livro apresentava um jovem protagonista gay – ou bissexual, pelo menos. Desde então, por alguma razão, o tema sempre é retomado quando das entrevistas que concede – mesmo ele já tendo escrito um longo ensaio para o The New York Review of Books de junho de 2005 – “On The Mysteries of Pittsburgh” – a respeito do processo de criação de seu primeiro romance e das relações entre sua vida pessoal e este. O que talvez se deva à presença recorrente de personagens homossexuais de destaque em seus romances – e à curiosidade de se saber o que, na ficção, foi vivido pelo escritor.

Cinco anos depois, o número 36 (esgotado, se tornou item de colecionador) da revista literária McSweeney’s publicou os quatro primeiros capítulos de Fountain City, aquele que seria o segundo romance de Chabon e que foi abandonado pelo autor depois de mais de 1500 páginas escritas. A publicação, ao invés de dar esperança aos leitores de que o livro finalmente fosse terminado e editado, serviu como tentativa de comprovar a inevitabilidade do destino dele. Isso se deu por meio de longas notas de rodapé, em que Chabon explora diversos aspectos do livro, revelando desdobramentos futuros das ações descritas naquelas páginas iniciais e relações entre personagens e pessoas que conheceu. E – em virtude de, no excerto publicado de Fountain City, o protagonista se referir ao irmão gay morto – ele mais uma vez discorreu sobre a razão de ter tantos personagens gays.

Em resumo: após relatar uma experiência homossexual quando mais jovem, apontou para as necessidades narrativas que o levaram à decisão de que o protagonista de Usina de sonhos seria gay, além de admitir que desconhece uma razão específica para que haja tantos personagens homossexuais em seus livros – logo depois de apontar a irrelevância de algumas respostas mais políticas e interessantes, mas insinceras, dadas por ele no decorrer dos anos5.

Ainda que não pareça lhe incomodar particularmente o rótulo – o tom jocoso de suas afirmações nos levam a acreditar nisso –, podemos fazer ressalva equivalente à feita com relação à caracterização da obra de Cunningham tão somente a partir da presença de personagens homossexuais nela. A homenagem ao bildungsroman em Usina de sonhos, a pesquisa histórica sobre os bastidores da era de ouro dos quadrinhos utilizada em favor da ficção em As incríveis aventuras de Kavalier & Clay, a inventividade da trama policial de uma realidade alternativa em que o Alasca é um território judaico em Associação judaica de polícia, a história do escritor que não consegue terminar um romance em Garotos incríveis (cuja inspiração, óbvia, foi a experiência do autor com Fountain City) e a caracterização de um Sherlock Holmes no fim da vida na novela A solução final merecem uma leitura não restrita à apreciação da temática homossexual.

Retornando ao Bernardo Carvalho, suas declarações à imprensa não costumam abordar o tema de sua sexualidade. Ainda que se possa acreditar que isto tenha ocorrido em uma crônica dele para os “Diários de Berlim”, publicados no Blog do IMS, não é algo que o autor discuta abertamente.

Além da recusa do rótulo de autor gay – postura semelhante à de Michael Cunningham – Carvalho foi além. Na entrevista pública do evento conhecido como Paiol Literário, o autor discorreu sobre as razões que o levaram a escrever O sol se põe em São Paulo, assim como respondeu às leituras que buscam relacionar sua vida pessoal com a literatura que escreve.

Escrevi O sol se põe em São Paulo como reação à recepção a Nove noites e Mongólia. (…) Outra professora universitária escreveu um ensaio longuíssimo sobre Nove noites e Mongólia, dizendo que em ambos o personagem era um gay enrustido. E como os romances eram autobiográficos, só podia ser eu o gay enrustido. Então, com O sol se põe em São Paulo, eu queria fazer um livro que essa professora não descobrisse que o gay enrustido era eu. Até agora ela não descobriu. Então, essa idéia de uma literatura que não é testemunho, não é representação imediata do autor, e não serve para o mercado, Igreja, estado, que não serve para nada, é fundamental para a minha vida. Ela não é a expressão de mim — ainda que seja; é óbvio que vai ser; se eu trato de gay enrustido, é porque isso me interessa, mas aquele não sou eu. A literatura que me interessa é a que não responde a uma demanda do mercado, a que tenta criar uma demanda que não existe.

O autor toca em um ponto importante: a partir de sua experiência com a recepção de Nove noites – distinta da dos seus romances anteriores –, ele teria chegado à conclusão de que aquilo que conjeturei acima – o interesse crescente do público por uma relação entre autor e obra – existia a ponto de poder ser considerado uma demanda do mercado. E, da mesma forma que Bernardo Carvalho escreveu um romance com um narrador que não fosse um gay enrustido para responder a uma professora universitária6, posso ver nessa postura – de contrariar uma demanda do mercado – uma justificativa suficiente para o meu desinteresse por uma crítica de cunho biográfico.

Colm Tóibín é bastante otimista a respeito das questões a serem enfrentadas pelos homossexuais no Ocidente, para além da esfera literária. Em Amor em tempos sombrios, escreve:

No mundo ocidental, ser homossexual, em breve, não mais envolverá dificuldades e discriminação. Em alguns lugares, especialmente nas grandes cidades, já é assim, a ponto de a expressão ‘pós-gay’ estar lentamente se tornando corriqueira. Consequentemente, as maneiras como lemos o passado, como lemos dentro do passado, e como julgamos o passado estão se tornando temas de um debate mais aberto e mais amplo.

O cosmopolitismo da literatura de Bernardo Carvalho, creio, revela um pouco dessa ambientação pós-gay. O que quero destacar das palavras de Tóibín é que elas apontam para a razão do maior interesse em uma crítica biográfica a ser feita de autores antigos, não contemporâneos – quanto a estes, não interessaria tanto discutir suas orientações sexuais. Após discorrer sobre os estudos de uma pesquisadora que defendia que Kafka teria sido homossexual, Tóibín também cita Gregory Woods7, autor de um elogiado – e longo – estudo sobre literatura gay, ainda sem tradução no Brasil:

Gregory Woods, em seu livro A history of gay literature [Uma história da literatura homossexual], considera que as teorias de Ruth Tiefenbrun são muito redutivas do gênio de Kafka, mas convincentes em relação à sua obra. “A pergunta que temos de fazer para nós mesmos”, escreve ele, “é se, para apreciar os textos em questão como literatura homossexual, temos que aceitar uma narrativa largamente especulativa sobre a vida do autor […] Em resumo, por que um texto não deveria ser seu próprio testemunho das leituras que dele fazemos?”

É a isso que me proponho: especular menos sobre a vida do autor e dar chance ao texto de testemunhar as leituras que dele eu faço.

  1. Quando da escrita da resenha, lamentei não ter escrito antes a respeito das relações entre as obras dos escritores – em virtude do espaço limitado pelo veículo (ainda que dez mil caracteres seja algo bastante generoso para os padrões jornalísticos atuais), seria interessante ter como apenas indicar ao leitor onde poderia obter mais informações sobre a Trindade do C. Em não havendo como fazer a indicação, resumi tanto quanto julguei necessário ao desenvolvimento do texto.
  2. No que tange às minhas leituras favoritas, interessa menos ainda.
  3. O trecho a seguir é de uma entrevista para a revista Poz, disponível online (em negrito as perguntas): “How do you feel about the Pulitzer? Lots of ways. I think a prize like this is a bad thing—as an institution. The notion of a “first prize”—saying this book wins and those others don’t win—is antithetical to literature. It’s not about bringing the biggest hog to the county fair and winning. I don’t think it’s good for literature and the whole struggle that everyone who writes as a body is undergoing. Though you notic: I didn’t give it back. I know I was thrilled: Here was a book about things I deal with constantly that many more people would now read. There are aspects to the Pulitzer that seem good. One is that a book about three women of complicated and ambiguous sexuality and that deals directly with the AIDS epidemic is now part of the essential American experience. And since the prize was announced, a lot of people have said to me essentially: “Isn’t it great that we won this prize?” And I love that. There is a sense that this great big machine that ordinarily doesn’t see any of us oddballs doing work about particular subjects turned around on its big rusty wheels and aimed the beam at us. Is there anything important that all the interviews or reviews have missed? First, there’s been surprisingly little mention that this book is set in the AIDS epidemic. And second, I can’t help but notice that when I finally write a book in which there are no men sucking each other’s dicks, I suddenly win the Pulitzer Prize.”
  4. O trecho a seguir é de uma entrevista disponível online. “You’ve said in interviews before that you don’t want to be seen as a “gay writer.” No one would argue that you haven’t been successful at this. What I meant to say is that I don’t want to be seen as only a gay writer. I’ve always been out, and most of my novels are concerned with the lives of gay people. I’m perfectly happy to be a gay writer, because, well, that’s what I am. What I never wanted was to be pushed into a niche. I didn’t want the gay aspects of my books to be perceived as their single, primary characteristic. Like any halfway serious writer, I’m trying to write about more than my characters’ outward qualities, and focus on the depths of their beings, their fears and their devotions, which take place at a level deeper than sexual orientation. Gay people fall in and out of love, for instance, in ways that are not entirely foreign to the ways in which straight people do. There are of course some real differences in the ways gay people live and what we experience, but we’re not from Mars.”
  5. Haja vista a raridade da edição da revista McSweeney’s em que se encontram os trechos do romance “destruído” – wrecked, na capa do original – por Michael Chabon, resolvi apresentar, nesta nota de rodapé, a versão integral de duas notas de rodapé do autor a Fountain City – que, quiçá, interessarão a quem se dedicar a pesquisas sobre a recorrente presença de personagens gays na obra de Chabon. “34. I am perfectly willing to attribute it to the fact – indeed, let us stipulate – that there is little else about me worth inquiring into, but the question of my sexual orientation, and the apparently inordinate presence of gay characters in my fiction, continues to be the one that I am most reliably asked by professional question-askers. / When T.M.O.P., with its guilt-deficient and gleefully cornholing protagonist, was published, it was assumed by many, or most, or, for all I know, all of its readers, that the author was gay, or at least bisexual, whatever that means. Newsweek magazine included the novel in a roundup review – with the reviewer, Walter Clemons (died 1996), himself gay, praising it in glowing terms – entitled “Out of the Closet and Onto the Shelves.” I was invited to read at gay and lesbian bookstores, and interviewed by the gay press. Sometimes interviewers bothered to ask me if I really was gay, or not, in particular if they were aware of the fact that I was married to a woman, one who appeared, furthermore, to be operating under the assumption that I was straight. / Which, whatever that means, I am. More or less. Have I ever felt sexually attracted to a man? Yes. Sure. Lots. But only because they were very attractive. Have I ever slept with (euphemism) a man? Yes. One. Once. He was very attractive, too, but, more important, I was in love with him. At that point in my life – the far-off summer of 1982 – I had only been in love with one other person, and I had slept with her, euphemistically and literally, hundreds of times, and found that on the whole I liked it a lot. Once I realized that I was in love with this young man, K., it seemed only natural that I try sleeping with him, too. The scene is recorded, more or less faithfully, in chapter 17 of T.M.O.P. The main difference between the fictionalized version and what happened to me in K.’s arms was that Art Berchstein enjoyed it so much that he wanted to keep on doing it. Whereas I had an okay time, sort of, but in an abstracted way that, weirdly, seemed to have nothing to do with K., with any of the things – his conversation, his slant on the world, his taste in music and books, his élan – that I loved about him. I just didn’t have any real desire to fuck him, or any man, for that matter. / This begs the question, I guess, of why I chose to have Art embrace his new sexuality, where I lost interest. The answer is purely narrative; when the time came to decide Art’s fate, the elements of the story having to do with Art’s father, and Cleveland, and organized crime, seemed to demand that Art be deeply involved with Arthur in order to incur his father’s greatest wrath. Also, I was infected with the (very useful) writing workshop notion of “What’s at stake?”, of presenting your character with a real and difficult choice that stands either way to lose him something important. Art’s relationship with Arthur seemed to need the heft and the active sexuality of this thins with Phlox, or else the reader would discount it as somehow lesser. So bisexual Art became – just like, in other words, in some real, mild, and, I believe, universal way, his creator.” (p. 44-46) // “Well, but what about this thing with gay characters? What is with that? Why is the friendship or partnership between a straight man and a gay man at the center of every single one of your books, even this mangled and unfinished one? Over the years I have given several answers this question, some evasive, some considered, but none of them really honest. I have said that I find such friendships fascinating and, while common in life, underrepresented in literature. All this is true, to a point, but has nothing to do with the question. I have said, laughing, Hey, I have a lot of gay characters in my life, why shouldn’t they appear in my fiction as well? Also true, also irrelevant. I have blathered on at considerable length in national magazines about the dearth of ways in which, in America, two men can express their feelings for each other, and how it is the job of art to give language to the unsayable. (Cue shakuhachi music) What I never said, but what I often get the sense certain interlocutors wish or expect me to say, stripping off mu sober Banana Republic chinos and Badfinger T-shirt, leaping up onto a nearby table or perhaps an upended spool of telephone cable, and tossing my pink, tan, and real tam-o’-shanter high into the soft summer air, singing out, at long last, for everyone to hear, is: Yes! Yes, I’m gay! I’m gay as A Star Is Born (the second one). I’m gay as Mike Angel’s David. I’m gay as Stephen Boyd in Ben-Hur! As Tinky-Winky! J. Edgar Hoover! Ernie and Bert! I’m so gay I should have a tiny, yappy dog named Cyril that I feature on my yearly Christmas cards, posed in a tab collar beside a Manhattan with an onion! / Is that what you’d like me to say? I could. Such a statement would suffer only from the disadvantage of explaining nothing. It would also be false. / The truth, or some part of the truth, is that I have no idea why I have written so much about gay characters over the years and books. It just works out that way. The truth is that I know how I write, and I know, or rather I have hopes for, how what I write will affect readers. I know how it’s done, and for whom, and when to do it, and most of the time I know what to say. But when it comes to the question of whose story to tell, there I have no firm notions. I just let the characters grow however they want to grow. And yes, they often come out in similar configurations, and that might seem to indicate that certain conclusions are in order, to a person who took an interest in such questions. Alas, I am not that kind of person.” (p. 54-56)
  6. Ainda que esta tenha sido apenas uma das motivações que o levaram à escrita do romance – como imagino ser o caso –, a necessidade de responder ao artigo da professora foi grande o suficiente para que este fosse citado em sua declaração e apresentado como motivo para o livro que Carvalho “queria fazer”.
  7. Ainda que o viés da obra de Woods dê atenção premente à orientação sexual dos escritores que produziram aquilo que poderíamos alcunhar como “literatura gay”, ele também denota a importância de outros fatores na criação do que seria o cânone dessa literatura: “The fact is that gay literature is not simply a matter of the emotional records of individual writers. Gay writers do not, on their own, ‘make’ gay literature. There are processes of selection, production and evaluation to be taken into account. Our canons of literature of quality are no more eternal than any other. Indeed, gay literary critics have been fairly explicit about the intentional social purposes behind their re-evaluations of past texts and canons. The contingencies behind the heralding of gay classics need to be acknowledged and made manifest. The canon of gay literature has been constructed by bookish homosexuals, most explicitly since the debates on sexuality and identity which flourished in the last third of the nineteenth century.” (p. 3) A tradição homossexual seria, portanto, uma criação deliberada: “In essence, what we are talking about here is homosexual men’s deliberate creation of a homosexual tradition.” (p. 5)