A música me acorda de um sono profundo e me insiste, até que saia.

 

O último sábado de agosto (23) reservou uma surpresa e tanto para o público do teatro Eva Herz da Livraria Cultura (RJ) que, assim como eu, pouco ou nada conheciam sobre o trabalho de Bruna Moraes.

Estava lá, convidado pela assessoria para o show de apresentação da cantora às plateias cariocas; quando a menina começou a cantar minha primeira reação foi de incredulidade: “ela não pode ter só 19 anos”. Sim, Bruna Moraes tem apenas 19 anos e um vozeirão que assusta muita gente grande da cena musical brasileira.

Nascida em São Paulo, essa menina decidiu transformar a brasilidade em sua bandeira, que defende de forma quase militante no palco e, especialmente, em suas letras. Seu primeiro CD, Olho de Dentro (Kuarup, R$18,90) é uma ode à natureza, às culturas e sentimentos de nosso país. As músicas são, sobretudo, de sua autoria, mas há também regravações de seus ídolos (Sem Fantasia, de Chico Buarque, e Bolinha de Papel, do sambista Geraldo Pereira) e parcerias com uma equipe talentosa. O resultado é um trabalho maduro, com letras profundas, belas e agradáveis, que nos fazem sambar, sentir e sonhar.

A menina, que não chega a 1,60 m de altura, transforma-se em gigante do palco, toda luz e voz. Como artista honesta, suas capacidades vocais conseguem nos mostrar, ao vivo no palco, exatamente o que podemos ouvir no CD, gravado em estúdio. Seus olhos verdes e sorriso solar são convidativos e, assim, Bruna nos faz sentir em casa e encanta cantando (ou canta encantando) com um vozeirão que lembra Maria Rita em seu primeiro álbum – e, consequentemente, sua mãe, Elis Regina. Mas há algo além em Bruna, e é isso que nos faz apostar que sua estrela ainda brilhará com destaque em nosso céu de cantoras. Algo ainda a ser explorado e amadurecido, azeitado com a delicadeza das mãos do Tempo, prometendo ainda muitas coisas belas aos nossos ouvidos.

Bruna concedeu ao Posfácio uma entrevista por email. Nas respostas abaixo, revela mais sobre sua trajetória e aponta o futuro próspero a que já se direciona. Antes, porém, um tira-gosto de sua música:

http://grooveshark.com/s/Chorei+Num+Samba/6L9ag5?src=5

A primeira coisa que nos vem à mente vendo seu show é duvidar da sua idade. De onde vem a música na sua vida e quais são as influências (tanto nas artes quanto na sua vida) de suas composições?

Não posso negar que tenho musicalidade na família: meu pai tocava baixo em uma banda de baile e minha tia avó é cantora lírica por hobbie. Meu pai sempre me incentivava a ouvir música com atenção. Ouvíamos moda de viola e peças para violão erudito. Mas a vontade de tocar um instrumento veio por influência de amigos do bairro, que gostavam de rock. Mesmo que eu gostasse de ouvir música brasileira em casa, eu também queria me enturmar. Tinha vontade de participar mais ativamente dos encontros, e aí fui pedir auxílio ao meu pai, que tinha um violão guardado, em cima do armário.

Me matriculei num curso extracurricular, na 5ª série, de violão para iniciantes, e me empenhei muito nos estudos. Passava horas com o violão no colo e logo em seguida, aos 12, entrei pra ULM (hoje, Escola de Música do Estado de São Paulo), cursando Violão Popular.  Foi lá que conheci meus parceiros: Ítalo Lencker, Peter Mesquita, Fábio Leandro, Gabriel Guilherme, Marcus Simon e muitos outros queridos em minha vida.

Ítalo foi meu mentor, em todo o meu tempo de estudo, na escola. Me mostrou desde Moacir Santos, Tom Jobim, João Gilberto, até extremo Guinga, que mudou minha vida. Me mostrou também as mulheres que mudaram minha vida: Rosa Passos e Leny Andrade. A Elis, eu já havia descoberto. Assim como também já havia penetrado na discografia do Chico Buarque. Minha primeira parceria com Ítalo, foi a grande e maior motivação para continuar no caminho musical. Chorei Num Samba mudou nossas vidas.

Seu repertório, embora ainda reduzido, já é múltiplo, com regravações, parcerias, composições de sua própria autoria e um passeio por ritmos e temas bem brasileiros. Fale um pouco sobre o processo de composição desse seu primeiro CD e a escolha das canções que entraram no disco.

O processo sempre acontece como um suspiro: a música me acorda de um sono profundo e me insiste, até que saia. Leva algumas horas, até que esteja completa. Se não sair de uma vez, eu geralmente a esqueço. Quase sempre, estive sofrendo de amor, por ser pisciana e visceral. Quase tudo o que escrevi, é verídico.

A ideia do disco era introduzir minhas canções, compostas dos 14 aos 17, e registrá-las ao lado dos meus parceiros. As outras canções: Alguém Dirá, me marcou muito ao conhecer os meninos Pedro Altério e Viáfora; Bolinha de Papel, que sempre tive vontade de cantar, desde o tempo da ULM em que o Ítalo me apresentava canções de João Gilberto e Anjos do Inferno; Levante do Borel, pelo meu contato inicial com o trabalho do Taiguara, e a paixão imensa que cresceu com o decorrer das gravações; e Sem Fantasia, pela grande influência do Chico em meu trabalho.

No show a que assisti você agradeceu muito a gravadora Kuarup, na produção dos artistas brasileiros. Num cenário como o atual, de pirataria e downloads ilegais, como é ser uma novata de 19 anos, lançando seu 1° disco?

Ter o apoio de uma gravadora é quase um milagre no século XXI. Fazer música brasileira no Brasil ainda está difícil, com o poder da mídia sobre os novos compositores. Não é nada fácil, pra mim, assumir essa responsabilidade, mas confesso que, ao lado de gente empenhada e com vontade de fazer acontecer, fica tudo mais fácil. Ainda mais com os músicos, que me apoiam tanto e me trazem segurança pra continuar caminhando.

Por fim, uma curiosidade, sou entusiasta da tatuagem e reparei que você tem ao menos duas: um cangaceiro no braço e um mapa do Brasil nas costas, se não estiver enganado. O que elas dizem sobre você?

Ah! As tatuagens são a afirmação do meu amor à cultura brasileira. O mapa era um sonho antigo e foi realizado pelas mãos da minha melhor amiga, Thuani Gogliano. Ela também fez a Maria Bonita. Essa tem, também, um significado religioso. Sou umbandista e devota aos cangaceiros. Maria me acompanha desde sempre! Salve o cangaço!