Ser artista é, de alguma forma, crescer aos olhos do público. Ao longo de uma carreira é possível identificar altos e baixos e o inevitável amadurecimento que vem tanto da experiência pessoal quanto da intimidade com a linguagem e a técnica. Em Boyhood, o que Linklater decide fazer é condensar essa experiência de forma radical: ao retratar o crescimento de um garoto acompanhando-o ano a ano, o que ele fez, mais do que o retrato de uma vida, foi um retrato dele mesmo como cineasta.

Linklater começou sua carreira com o simpático Slacker, de 1991, seguido por Jovens Loucos e Rebeldes e Antes do Amanhecer. O longa que dá início a trilogia já comprovava o talento do diretor para o cotidiano, o olhar terno sobre as relações e o interesse profundo no que parece banal. Ao longo dos 18 anos seguintes, junto com Ethan Hawke e Julie Delpy, a história seria expandida e os personagens ganhariam corpo, nuance e amadurecimento nas telas. É um projeto interessante, com graus de sucesso variáveis: Jesse cresce maravilhosamente ao longo dos anos, a Celine de Antes da Meia Noite não é a mesma mulher dos anteriores, nem sequer uma versão mais velha delas.

Boyhood é como o próximo passo. O filme foi chamado de revolucionário e inédito, mas inscreve-se de forma bastante coerente e esperada na cinematografia de Linklater.

O longa começou a ser gravado em 2002, desde então, uma vez por ano, um pedaço era adicionado. A consequência óbvia disso é que os atores envelhecem naturalmente, seus trejeitos se alteram de forma suave e a intimidade entre os personagens torna-se bastante real. Menos óbvio é que as pessoas atrás da câmera envelhecem com eles, e a diferença cinematográfica entre o início e o fim de Boyhood é brutal.

Já nos primeiros planos, há um esforço excessivamente consciente de marcar o tempo: trilha sonora, closes em aparelhos como videogames e livros de Harry Potter lembram ao espectador que ano é aquele e quanto tempo se passou desde o início do filme. É uma brincadeira divertida e que apela à nostalgia do público, mas, mais do que isso, insere a história de Mason em uma história maior, uma história da qual o espectador faz parte.

Eu cresci em um cenário parecido com o de Mason. Mãe solteira, cidade tranquila, bicicletas, videogames e Blink 182 como trilha sonora. Fui adolescente durante o governo Bush e agradeço a dose saudável de rebeldia que o antiamericanismo proporcionava. O problema é que conquistar o espectador por esse tipo de identidade é algo limitado e que acaba por empobrecer a existência da obra, e Linklater percebe isso antes mesmo de terminar de rodar seu filme.

Ao longo da história, essas marcações ficam menos forçadas, mais orgânicas. Há menos preocupação em exibir a técnica e mais em explorar as possibilidades que ela proporciona. Linklater evolui notavelmente como diretor também, os planos se tornam menos óbvios, o filme menos verbal. O último trecho de Boyhood é um filme radicalmente diferente do primeiro e é interessante conseguir testemunhar esse tipo de mudança no espaço de três horas.

Dito isso, a experiência está longe de ser revolucionária. Uma revolução na forma de captação não se reflete necessariamente no produto final e é essa consciência que os autores de Boyhood parecem tomar, e aceitar, ao longo do filme.

Boyhood é clássico em sua linguagem. A ênfase na técnica poderia puxar o espectador para fora, torná-lo consciente o tempo todo da manufatura daquilo que vê, mas isso não acontece. A história fluida e envolvente, o carisma dos personagens e a beleza singela de tudo envolve, carrega o público para dentro da história, que conta sem sobressaltos, sem inovações, da forma como se espera que seja contada.

O roteiro é basicamente episódico, mas não desconexo, cada pequena vinheta dá um passo além em uma narrativa maior. A sensação geral é muito diferente da causada por filmes como Acossado ou A Doce Vida, em que fatos se sucedem sem que exista um arco em desenvolvimento. Existe ali a história, sutil e suave é verdade, do amadurecimento de Mason.

Delicado talvez seja a melhor palavra para descrever Boyhood. Ou gradual. Se eu tivesse que escolher um filme no extremo oposto daqueles normalmente chamados “tour de force”, seria esse. Não é um filme forte. Não é um filme impactante ou intenso. É um filme que se constrói lentamente e cuja qualidade está no balanço geral de seus 145 minutos.

O talento de Linklater para diálogos é essencial aqui. As conversas fluem e soam como o tipo de banalidade normalmente dita pelas pessoas. As atuações colaboram, e é um golpe de sorte que o ator que vive o protagonista tenha se mostrado mais do que uma criança adorável. Infelizmente, o mesmo não ocorre com Lorelei Linklater, filha do diretor e responsável por Samantha, irmã do protagonista. Lorelei tem poucos recursos e parece desconfortável durante todo o filme, o que compromete diversas sequências.

Poderia ser argumentado que o papel dela é relativamente pequeno, que as cenas sobrevivem apesar disso. É verdade. O problema é que isso ocorre em um filme que se propõe a radiografar uma vida, a transpor a existência para a tela e nesse caso, a naturalidade é tão imprescindível quanto o ritmo para um filme de perseguição.

Há algo de único e dissidente na proposta de Linklater, um potencial revolucionário na ideia de que o profundamente banal pode ser matéria para o cinema, mas o diretor escolhe tomar outro rumo. O deslumbramento inicial com sua inovação dá lugar a uma acomodação, ao ajuste do novo dentro do que é palatável. Nada disso é ruim, é uma escolha de caminho que acaba desenvolvida com maestria.

Boyhood é um filme belo, terno, humano, com uma proposta profundamente única. Não é revolucionário, não usa sua originalidade para romper o que foi feito tanto na carreira de seu diretor quanto no cinema em escala mais larga. Mas não precisa disso para ser memorável.