Anteriormente em Verão Infinito…
Verão Infinito #0
Verão Infinito #1
Verão Infinito #2
Verão Infinito #3
Verão Infinito #4

Talvez seja hora de pararmos um pouco e pensarmos no que estamos fazendo. Por que estamos lendo Graça Infinita da maneira como estamos lendo? Por que nos reunimos aqui com dúzias de outros leitores, paramos a cada duas páginas pra consultarmos referências em enciclopédias virtuais organizadas por fãs, discutimos de madrugada pelo Whatsapp a genialidade da nota 304, tiramos fotos engraçadinhas da capa e curtimos as que os outros sobem no Instagram? Por que ninguém parece capaz de simplesmente ler a porra do livro de capa a capa, fechá-lo e guardá-lo na estante, como fazemos com tantos outros livros?

E não são apenas as interrupções: se conversarmos com outras pessoas que também enfrentam o calhamaço nesse momento (e sejamos honestos, conversamos com elas o tempo todo), perceberemos que, a essa altura, quase todo mundo já enfileirou uma ou duas leituras em paralelo. Somem-se a isso as já citadas consultas a wikis e o baile constante pelas notas de fim, e o resultado é uma sensação não muito diferente daquela de estar frente a um navegador de Internet com quinze abas abertas. Chega um momento em que já não sabemos bem o que ler, o que comentar, o que discutir, o que deixar de lado – o que não é exatamente prazeroso.

Justamente por isso, achei o início de Graça Infinita bastante penoso: só não desisti do livro pela insistência de alguns amigos (“segura firme até a 200, que depois só vai”) e por uma bronca da excelentíssima (“ah, o gurizinho de Internet não consegue se dedicar a algo que não seja constantemente divertido?”). Essa última doeu um pouco, mas faz todo o sentido. Afinal, embora seja um romance que tem o entretenimento dentre os seus temas principais, Graça Infinita é, pela definição precisa que o André me deu outro dia, antientretenimento por excelência. Atenção constante, disciplina e persistência são pré-requisitos para vencer suas páginas, e aos poucos percebemos que a experiência de leitura, com todos os seus percalços e desvios de foco, casa perfeitamente com o livro. Tão perfeitamente que não pode ser acidental.

Então eu fiquei pensando: nas muitas resenhas do livro que vemos por aí, há uma recorrência do termo “fractal”. É consenso que um dos aspectos definidores de Graça Infinita é a sua estrutura única, em que trechos não lineares, encadeados somente por reminiscências no uso da linguagem, reproduzem em menor escala a estrutura total do romance. Naturalmente, parte-se do pressuposto de que a estrutura maior, aquela indivisível, é o romance em si.

Mas talvez o próprio romance seja um fractal, um dos diversos fragmentos que compõem a nossa experiência de leitura, reproduzindo sua estrutura. Peguemos alguns exemplos: os personagens de Graça Infinita (à exceção, talvez, de Mario, pobre Mario) são dotados de uma autoconsciência perturbadora. O leitor de Graça Infinita, ao menos enquanto tal, é dotado de uma autoconsciência perturbadora. A narrativa de Graça Infinita é absolutamente não linear. A leitura de Graça Infinita, com suas consultas e discussões infindáveis, é absolutamente não linear. “Trechos encadeados somente por reminiscências no uso da linguagem” é uma boa definição para um processo em que anotações e pesquisas por termos, referências e nomes desviam o andamento da leitura.

É quase como se Dave Foster Wallace tivesse armado para cima de nós, direcionando práticas externas ao universo ficcional, calculando a interação entre leitores futuros, tratado os participantes do Verão Infinito como meros personagens, como um fractal da interação existente entre seus leitores a nível mundial. Um pensamento um tanto paranoico, devo admitir.

Coincidência?

Eu acho que não.