Em 26 de janeiro de 1996, o aristocrata multibilionário John Eleuthère du Pont, herdeiro da família mais rica dos EUA, assassinou com três tiros o atleta de luta livre e medalhista olímpico Dave Schultz. Dave e seu irmão, Mark, trabalharam por cerca de uma década na equipe de treino e fomento ao esporte criada pelo próprio Du Pont em sua fazenda na Pennsylvania, a Team Foxcatcher.

No filme dirigido por Bennett Miller (de Capote, 2005, e Moneyball, 2011), vemos dramatizada através de ótimo ritmo, bom roteiro e grandes performances os eventos que levaram a este crime bizarro que pôs fim à trajetória de um grande esportista de apenas 36 anos de idade, casado e pai de dois filhos.

Dave Schultz é encenado com segurança por Mark Rufallo, um ator em ascensão nesses últimos anos, indicado ao Oscar de Melhor Coadjuvante pelo papel; seu irmão Mark é Channing Tatum, menos talentoso, porém um dos queridinhos atuais de Hollywood; já o bizarro Du Pont é personificado por Steve Carrell, que segue uma longa tradição de bons atores de comédia que têm sucesso também nos dramas – de Charles Chaplin (Monsieur Verdoux, 1947) a Jim Carrey (Brilho Eterno…, 2004), passando por Peter Sellers (Muito Além do Jardim, 1978) e Steve Martin (Garota da Vitrine, 2005) –, e pelo papel também recebeu uma merecida indicação ao Oscar de Melhor Ator .

O clima narrativo soturno é fortalecido pela quase total ausência de trilha sonora, exceto pelo score incidental de Rob Simonsen (de As Aventuras de Pi, 2005). Sendo Du Pont o personagem central, pode-se dizer que de alguma forma este é um filme de terror – ainda mais aterrorizante por tratar-se de um história real.

Steve Carrell (à esquerda), com a ajuda da maquiagem, constrói uma versão assustadora de John Du Pont (à direita).
Steve Carrell (à esquerda), com a ajuda da maquiagem, constrói uma versão assustadora de John Du Pont (à direita).

A complicada relação de submissão de Du Pont com a mãe, Jean (Vanessa Redgrave, sempre excelente, em papel pontual), a falta de amigos e o excesso de dinheiro fazem dele um homem excêntrico e insuportável, que sofre do mal dos endinheirados de nunca poder escutar um “não”. Seu espírito belicoso, competitivo e o patriotismo fanático o tornam, de certa forma, síntese do comportamento estadunidense, especialmente daquele aflorado nos tempos de Guerra Fria. Assim, quando Du Pont resolve “comprar” Mark e Dave, dois ouros olímpicos cujas carreiras decaíram e que tentavam uma reviravolta, ele não aceita a negativa inicial de Dave, enquanto de Mark, que de pronto topou a proposta, não pede nada menos do que total e irrestrita submissão.

Rapidamente, a relação de Mark e John, seu técnico e autodeclarado mentor, ultrapassa a barreira profissional e torna-se um estranho caso de amizade, à la bromance, com sutis toques homoafetivos. Isso se percebe pelos discretos olhares de John para Mark e pelos ocasionais toques em seus músculos bem definidos. Ademais, todo o mise en scène de um esporte em que dois brucutus rolam agarrados pelo chão também ganha contornos sexuais subliminares.

Mal sucedendo na empreitada de treinar Mark para o campeonato mundial e, posteriormente, para as Olimpíadas de Seul (1988), John du Pont recorre mais uma vez a Dave, disposto a gastar quanto fosse necessário. Contudo, com a chegada do irmão, um técnico muito mais eficiente, começa um jogo de invejas e disputas afetivas que gera um crescendo até culminar no crime brutal de 1996.

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Channing Tatum e Mark Rufallo (à esquerda), são Mark e Dave Schultz (à direita, respectivamente).

Mantendo o ritmo plácido de seus outros filmes, Bennett acerta ao dar espaço e tempo às performances de seus atores. Aqui, não há muitas distrações, nem mesmo da música, só um bom roteiro e interpretações calibrados. É linda e significativa a primeira cena de treinamento entre os irmãos Mark e Dave, que em poucos minutos e com poucas palavras revela toda a relação de confiança e amor entre os dois. Ótimos também são os closes em Carrell, irreconhecível e assustador com a maquiagem caprichada da equipe de Bill Corso e Dennis Liddiard, também indicados ao Oscar pelo trabalho.

Com cinco indicações ao prêmio da Academia (além de três que recebera ao Globo de Ouro), Foxcatcher – que no Brasil recebeu o terrível subtítulo de “A História que Chocou o Mundo” – é daqueles filmes que têm todas as qualidades para fazer sucesso entre os críticos, com inegáveis pontos altos e uma história de arrepiar.