O telefone não toca mais. Não toca. Você espera ansioso, aflito, mas lânguido. Pronto para dar um salto de um susto anunciado. Mas ele não toca. Desliga a campainha para sentir apenas a vibração, mas não vibra, não acende, não pisca. O telefone está intacto, você, paralisado. As pernas repuxam de fadiga, estão se movimento para cima e para baixo – inquietas – e o telefone não toca. Repassa e questiona o que disse anteriormente, se fora rude ou amável, se escolheu cada palavra de forma correta para construir sentenças, ora memoráveis, ora vulneráveis e todas com uma única vontade – maior e mais intensa do que a vontade de que o telefone toca. Mas ele não vai tocar. Você sabe disso. Quer acreditar nisso. Quer se negar a aceitar que, talvez em dado momento, ele te surpreenda de verdade e toque. Você se distrai com lembranças aleatórias e rememora sorrisos.

Anda pela sala, passa pela cozinha com os pés descalços para sentir o piso gelado e abre a geladeira. Ah, a geladeira, esse portal para iogurtes de validade questionável, ovos na prateleira de cima, um vinho aberto há duas semanas e para seus pensamentos inóspitos. Você fecha para deixar todos ali: quietos e gelados. O telefone silencioso. Você o usa para consultar as horas. Você o usa para consultar saldo bancário, para acompanhar a vida dos seus amigos longe de você – separados por um raio de 1km -, para ver fotos efêmeras, mas ele não toca.

O sofá está ali de frente para a televisão desligada. Você assiste seu reflexo e depois o perde, como se ele mesmo não quisesse sua presença. Sua impaciência. Você desiste e vai a janela para observar janelas. Você desiste.

Não há gatos para lhe distrair. Não há livros para lhe consumir. Não há músicas para lhe levar. Não há nada tão interessante quanto o toque polifônico, quanto a vibração e luz acendendo com um nome. Aquele nome. Você sabe. A espera te sufoca, suas mãos suam frio, seu estômago embrulha, sua boca seca e seus lábios perdem a cor, seus olhos secam. Você não ouve nada além de um zunido interno como uma linha perdida. E o seu telefone não toca. Você perde o tato. E o seu telefone não tocou. Você perde a visão. E o seu telefone não tocará. Você perde o fôlego, não sabe se é noite ou dia. E o seu telefone não liga para você.