Com a publicação de Tropas estelares, em 1959, Robert Heinlein moldou o que hoje se conhece como a ficção científica militarista. Tome-se por exemplo qualquer filme recente que esbarre no gênero, como Avatar, O Jogo do Exterminador ou No Limite do Amanhã. Fuzileiros amplificados por trajes mecânicos? Heinlein. Inimigos alienígenas divididos em castas hierarquizadas? Heinlein. Personagens fascinados com o imperativo da guerra? Definitivamente Heinlein – desde mais de cinquenta anos atrás, ainda ecoa a epígrafe com que o escritor americano abre sua história: “Vamos lá, seus macacos! Querem viver para sempre?”

No primeiro capítulo do livro, encontramos o cabo Johnnie Rico prestes a participar de mais uma missão como parte do regimento dos Rudes de Rasczak. A guerra contra os insetos está em um momento crítico depois de um precipitado e desastroso ataque ao planeta natal dos alienígenas. O destino agora é uma colônia dos magrelos, aliados dos insetos; o objetivo, causar o maior dano possível às instalações locais.

A considerar o relato do protagonista, as operações da Infantaria Móvel são arriscadas, ousadas e caóticas. Os minutos iniciais são de apreensão, enquanto os soldados aguardam para serem lançados em cápsulas individuais desde o espaço orbital. Em terra, eles se espalham; há correria, permeada por disparos de foguetes a qualquer construção relevante para o inimigo. Usando os propulsores do traje, Johnnie salta entre prédios, buscando em busca de um reservatório de água, um alvo estratégico. Alguns magrelos precisam ser abatidos. Não há tempo para distinguir entre civis e militares.

O espírito de combate e de autossacrifício em prol do conjunto (o pelotão, no caso restrito, ou a espécie humana, no caso geral) move a narrativa desde o início. Os soldados de Heinlein são todos indivíduos conscientes de que a independência da Federação da Terra pode ser paga com a vida de cada um deles. No último momento antes da retirada, Johnnie se arrisca para resgatar um companheiro ferido. Não é tanto heroísmo quanto uma obrigação moral: ninguém fica para trás.

Em seguida a narrativa volta no tempo em alguns anos. “Eu não pretendia realmente me alistar”, revela o protagonista. Na sociedade criada por Heinlein, o serviço militar não é obrigatório, mas apenas veteranos de guerra têm direito a votar e a ocupar cargos federais. A família de Johnnie é contra, e ainda assim ele decide servir, principalmente por influência dos amigos, ao que parece. Embora seja contada em primeira pessoa, a história se concentra menos no drama interno do personagem e mais na exposição dos mecanismos do processo de recrutamento.

Para decepção dos aficionados por estratégias e táticas de guerra, o restante do livro espelha muito mais o segundo capítulo que o primeiro. Gradualmente, Heinlein descreve todo o ciclo de vida de um fuzileiro: o árduo treinamento, a primeira missão, a adaptação a um novo regimento, a escola de oficiais, o comando. Mesmo que o nível de baixas em combate seja altíssimo, Johnnie aprecia o serviço de infantaria, que ele chama de “o período mais feliz de minha vida”. Assim, Tropas estelares mostra a transformação romântica do personagem principal, de um menino inseguro que precisa impressionar os colegas a um homem satisfeito, equilibrado e pronto a tomar decisões difícies. Apenas ao final do livro há mais uma grande cena de batalha.

Nessa transformação, tem papel fundamental uma série de figuras de autoridade, professores, instrutores e comandantes, que por meio de longos diálogos vão mostrando a Johnnie a certeza matemática dos princípios que embasam a vida do soldado (Heinlein é insistente em dizer que é possível promover uma ciência da moral, aos moldes da matemática). Em especial, os corolários que se extraem das demonstrações do sr. Dubois, professor de história e filosofia moral e ex-combatente, devem desagradar a parte dos leitores, como, por exemplo: punições corporais, por açoitamento, mesmo por delitos menores; pena de morte, com julgamento sumário; e uso de armas nucleares contra populações civis.

A capacidade de inserir exposições na narrativa, sejam elas científicas ou filosóficas, sempre foi característica de Heinlein. Segundo o crítico e escritor Alexei Panshin, o que diferencia as obras do período pós-1959 é justamente um distanciamento de discussões embasadas factualmente em direção a discussões morais, relacionadas a sexualidade, religião, guerra e política. Essa mudança, embora tenha ajudado a expandir o círculo de leitores de romances como Um estranho numa terra estranha e Revolta na Lua, provocou reações da crítica, tanto pelo enfraquecimento do aspecto literário das obras, como argumenta Panshin, quanto pelo conteúdo conservador e antiliberal, como expõe Michael Moorcock no célebre ensaio “Starship Stormtroopers”. Para Moorcock, as figuras de autoridade que povoam as obras de Heinlein embotam o pensamento e representam uma mentalidade paternalista1.

Tropas estelares pertence sem dúvida ao restrito rol dos clássicos da ficção científica: não apenas expressa perfeitamente o espírito militarista, transposto para dimensões interplanetárias, como serve de referência para todo um subgênero, que continua produzindo em língua inglesa uma dúzia de lançamentos todos os meses. Por outro lado, o caráter controverso do romance não pode ser contornado. O discurso autoritário de Heinlein, não sendo contraposto dentro da própria narrativa, deve ser ponderado por cada um dos seus leitores.

  1. A disputa continua atual, a julgar pelas controvérsias que envolveram o prêmio Hugo nos últimos dois anos. Ecoando os leitores conservadores de cinquenta anos atrás, os “puppies” denunciam as tendências liberais de autores contemporâneos prestigiados, acusando-os de estarem “destruindo” a ficção científica. Nesse caso, vale observar também que muitas das obras admiradas pelos “puppies” se enquadram no subgênero militarista.