Apesar do ser humano ser um animal adaptável, é fato que todos nós precisamos e um ponto de partida, porque ninguém nasce do nada. Temos um passado por mais que esqueçamos de onde viemos ou que o próprio local de origem, nascimento ou criação se esqueça de que somos sua cria. Mas correndo ao lado dessa ideia de ter “a necessidade de um ponto de partida”, existe a premissa de que sempre podemos começar e recomeçar a torto e direito, deixando apenas para trás os corações partidos e as pessoas confusas.

No início do ano comprei uma HQ (um compilado de seis números) que aborda justamente esse tema, até o nome é sugestivo: Local – Um ponto de partida. Escrita por Ryan Kelly, desenhada por Brain Wood e editada no Brasil pela Devir, Local conta a história de uma jovem que faz de sua vida um eterno recomeço, sempre procurando não “ferrar” com tudo por onde passa.

A arte de Brain Wood (DMZ) já faz com que os olhos procurem estar seguros de ver cada detalhe, aliada ao enredo idealizado e desenvolvido por Rayn Kelly, faz dessa HQ uma aquisição especial para qualquer um, mesmo aquele que acha histórias em quadrinhos “coisa para criança”. E asseguro que Local, não é uma história para crianças.

Logo de início somos transportados para Portland no Oregon, costa lesta dos Estados Unidos da América, mais precisamente para dentro de um carro, onde uma jovem (ainda sem nome) está passando pela difícil tarefa de ter que decidir se compra ou não diamorfina ((heroína farmacêutica)) para seu namorado viciado. E em meio a alguns devaneios, ilustrados na história como momentos reais, chegamos ao ponto culminante em que ela joga qualquer possibilidade para cima e simplesmente vai embora caminhando em direção a estação de trens, deixando seu ex-namorado para trás junto com seu carro.

Só essa primeira passagem já dita qual vai ser o ritmo da história, mas sem fazer com que o leitor perca a vontade de continuar. Nas próximas páginas somos levados a outras histórias em outras cidades do EUA e assim caminhamos por várias vidas, muitas vezes normais, outras um tanto quanto estranhas e essas mudanças de foco dos capítulos que seguem, fazem com que Megan McKeena se torne um personagem secundário em sua própria história, dando brecha para conhecermos o garoto da foto polaróide (sem nome), a banda de grunge Theories and Defenses ou Glória, a colega de qualquer com TOC; que são personagens ricos em suas pequenas histórias de algumas páginas em preto e branco, efeito só obtido pela intima relação com estereótipos reais, porém não genéricos.

Tudo em Local, desde as histórias contidas dentro da história principal, que seria o êxodo em busca de um eu interior melhor de Megan, até os diálogos curtos e extremamente reais, fazem com que leitor tente se colocar no lugar de quem vê e de quem se identifica. Revelações pessoais são feitas a partir do momento que você se pergunta o quanto daquilo tudo pode ter um dia sido real e quanto ainda vai acontecer com aquela personagem cativante. Só é frustrante ver que essa seria uma história com muitos números até que Megan encontrasse algo que a obrigasse parar de recomeçar, e que por isso tem que encontrar seu fim em uma passagem pouco reveladora. Resumindo de uma forma simples: termina sem final.