Após a queda da União Soviética no final dos anos 80, a República Socialista de Cuba sofreu uma forte crise econômica devido a falta do recebimento de cerca de 6 bilhões de dólares por parte do bloco socialista oriental. Os cubanos viviam na miséria, não havia emprego e não havia esperança, afinal desde 1962 o embargo comercial dos EUA assombrava a expansão do comércio exterior de Cuba.

Pequenos contos e crônicas divididos em três partes: Ancorado na terra de ninguém, Nada para fazer e Sabor a Mí compõe o livro Trilogia Suja de Havana ((parte do Ciclo do Centro de Havana com outros quatro livros: O rei de Havana, Animal Tropical, O insaciável homem-aranha e Carne de cachorro)). Num tom autobiográfico, onde Pedro Juan Gutiérrez torna-se uma personagem sincera e sem artificialidade na Cuba onde todos tentam encontrar novos meios para sobreviver.

Em meio esse cenário de miséria e sem esperança surge Pedro Juan, um jornalista sem diploma, vendedor de sorvete, coletor de latinhas vazias, locutor de rádio, cortador de cana-de-açucar, enfim um cubano tentando se virar na Havana em plena crise. Em diversos momentos ele confronta a visão suja (a merda, suor, doenças, falta de banho mais o calor provido pelo sol caribenho) com as mulheres (velhas, novas, amantes, negras, brancas e estrangeiras), o sexo e as bebidas que criavam a ilusão de que algo seria melhor. Gutiérrez também não segura pudores ao falar de negros: xinga, fala mal, se sente superior mesmo sabendo que não é.

O sexo é o principal atrativo para explorar a fascinante vida das pessoas de Cuba. Como grande explorador da sexualidade e sensualidade do caribe, vemos que Pedro Juan como “latin lover” é derrotado muitas vezes. Em um episódio, ele fica refugiado no apartamento de uma amiga lésbica e sua amante. Ao ouvir as duas na intimidade, arromba a porta mostrando seu sexo e louco para um caso a três, entretanto sua faceta de macho sofre uma punição da amante da amiga que o espanca e o largo humilhado no corredor. Em outros momentos o sexo, em sua imaginação, é pervertido e quando compartilha tais pensamentos, jurando que todas as pessoas pensam dessa forma, é tachado de depravado pelas outras personagens (o que não é tão longe da verdade, afinal muitas vezes Pedro Juan se exalta ao ter uma ereção).

O “realismo sujo” promovido pelo escritor ainda deixa espaço para a arte descrita, e defendida, muitas vezes como veículo de escape para qualquer revolta, irritação e longe da ironia do mundo, pois a realidade por si só, os sonhos, a pobreza e o governo desta ilha já são irônicas naturalmente. E nessas ironias globais que encontramos a sinceridade da escrita de Gutiérrez, muitos podem considerar que sua exaltação sobre a merda como uma manobra baixa para chocar. Longe disso. Ressalta a desilusão, assim como a de Bukowski, com um lugar que poderia ser um paraíso tropical, mas na verdade é vítima de um furacão que desabrigou a todos, os deixando igualmente miseráveis.

A comparação com Bukowski é válida, pois apesar de todas as coisas ruins que figuram por todos os contos do livro, de solidão a fome, o livro não é amargo; é sincero sim, mas acima de tudo é um retrato de sobreviventes que com todas as dificuldades são fascinantes e ricos em desejo e força.

Os frouxos sempre se lamentam e choram. Os fracos acham que hoje tudo se acaba. Na verdade é o contrário: é hoje que tudo começa.