Lourenço Mutarelli é escritor, ator, dramaturgo e autor de histórias em quadrinhos brasileiro. Trabalhou nos estúdios Maurício de Sousa e durante o final dos anos de 1980 publicou duas histórias próprias: Over-12 e Solúvel, ambas impressas pela extinta editora Pro-C. Na literatura, escreveu os livros O Cheiro do Ralo, levado às telas por Heitor Dhalia e com Selton Melo, O Natimorto, A Arte de produzir sem efeito de causa, Jesus Kid, Miguel e os demônios e em outubro foi lançado seu mais novo romance pela Companhia das Letras: Nada Me Faltará. Esse final de semana ele estará na Vira Cultura para autografar seu útimo romance. Leia agora as 10 perguntas e meia para Lourenço Mutarelli que o Meia Palavra fez.

1 – O seu novo romance Nada me faltará conta com uma ambivalência sobre loucura, cotidiano e, ironicamente, sobre a incomunicabilidade. Como foi trabalhar com esse desenvolvimento e essas temáticas usando apenas falas?

Parti dessa ideia da fala justamente pelo diálogo, pelas dificuldades de comunicação, que eu sinto que a gente vive muito hoje. Falamos, mas é dificil falar e ouvir. Eu percebo muito isso. E eu quis brincar um pouco com isso. Com isso que a gente vive sem ter narrador a não ser nossa mente.

 

2 – Como é ver seus livros adaptados para o cinema?

Eu tive sorte de ter boas adaptações. Eu tenho dois livros adaptados (para o cinema), uma peça montada e outro livro adaptado para o teatro. Adaptações muito boas. Gosto muito de tudo que foi adaptado, mesmo com as diferenças. E gosto muito do olhar de quem fez esse trabalho.

3 – Quais as diferenças entre trabalhar com quadrinhos, literatura e teatro? Um trabalho influência o outro na parte criativa ou mesmo na inspiração?

Quando eu tenho a ideia, eu já sei de qual forma que vou desenvolver essa história. Acredito que talvez o desenho, quando faço quadrinhos, que eu levo muito mais tempo – acho que aí mesmo que o desenho não me ajude a ter uma ideia para um livro ou para uma outra coisa, minha cabeça está livre e muito mais solta e isso ajuda a ter idéias para outras coisas. Mas não sei se uma coisa influencia muito a outra. Eu sigo a melhor forma que existe para contar.

4 – E quanto à publicação? Você penou muito para conseguir publicar seus trabalhos? Hoje em dia esse processo é mais fácil?

Foi muito dificil começar, demorei quase dois anos para publicar. Na época fazia apenas quadrinhos. Comecei a publicar meu trabalho de forma independente através da PRO-C, na verdade era simplesmente uma impressora off-set. Hoje em dia é muito mais facil, chega um ponto que você pode escolher onde publicar e eu felizmente vivo esse momento. Estou numa editora, que é  a Companhia das Letras, que eu gosto muito.

5 – O que diferencia seus romances uns dos outros?

Sempre tento experimentar muito mais na forma do que no conteúdo. Às vezes eu acho que estou fazendo um livro completamente diferente do outro, mas no fundo eu tenho a impressão que, quando isso se distancia, estou sempre fazendo o mesmo livro.

6 – Você se considera um criador de anti-heróis?

Eu acho que falo do ser humano e ele por natureza é um anti-herói. Nunca fui um leitor de super-heróis, sempre gostei mais de quadrinhos autorais. Os heróis nunca me convenceram.

7 – Existe o tal “bloqueio criativo” ou é falta de inspiração de autores?

Eu tive um bloqueio durante um ano. Achei que nunca fosse vivenciar até então. Eu reclamava que tinha muitas ideias e não dava para concretizá-las de uma vez. Foi uma experiência muito ruim esse bloqueio, uma coisa angustiante. Durou um ano entre 2007 e 2008 – passou, mas a sombra, o fantasma, ficou. Voltei a fazer várias coisas depois disso, mas ainda existe o medo porque eu sei que esse bloqueio foi real e não é nada fácil passar por isso.

8 – Quais são seus autores favoritos de quadrinhos e na literatura?

Cada época tem um que é mais forte. Atualmente na literatura tenho lido, por indicação do Antonio Prata, Kurt Vonnegut (Matadouro 5, Café-da-manhã dos Campeões) que eu to gostando muito e quando descubro um autor tento ler ao máximo tudo dele. Mas sem dúvida meu primeiro autor de literatura, que me influenciou nos quadrinhos também, foi Kafka. Ele que me trouxe para a leitura. Antes eu tinha que ler livros para escola, que era obrigado a ler, e eu não tinha prazer nisso até encontrar A Metamorfose e descobrir a literatura. Nos quadrinhos tenho vários e é dificil escolher. O desenho do Munhoz, um argentino, me fascina muito. Tem uma série, dos clássicos mesmo: Will Eisner, Chester Gould (que fez Dick Tracy) e Hal Foster, do Príncipe Valente.

9 – Há uma questão levantada sempre: brasileiro lê pouco? Você acha que existe resistência à leitura no país, preguiça ou isso não previlégio somente de brasileiros?

Eu acho que não é um privilégio só dos brasileiros. Outro dia eu conversei com um amigo argentino, porque se diz que na Argentina se lê muito, e ele revelou que lá se lê muito auto-ajuda. O Brasil tem a questão da televisão, que tem um peso muito forte, pessoal trabalha muito, percorre muita distância e chega em casa cansado e é mais fácil sentar e esvaziar a cabeça, no bom sentido, vendo televisão, telenovela. Ler é preciso tempo, concentração e tudo isso é cada vez mais dificil. Não sei se é um fenômeno apenas brasileiro – aqui é forte, mas acho compreensível.

10 – Samuel Fuller dizia que “o cinema é como um campo de batalha”. O que seria a literatura na sua visão?

É uma batalha também, só que interna, que você trava sozinho. Quando faço quadrinhos, ouço música. Quando escrevo, não consigo. É uma batalha com seu interior e muito solitária. No cinema você trabalha com uma equipe, no teatro também, mas na literatura é praticamente impossível trabalhar em equipe.

10 1/2 – “Arte é…”
Uma doença.

Veja o teaser de Nada Me Faltará: