A obra A Odisséia de Penélope de Margaret Atwood, contém 159 páginas, é composta por 29 sintéticos capítulos e tem como objetivo fazer uma releitura do poema épico Odisséia, de Homero, em uma perspectiva contemporânea, concedendo uma maior expressividade às personagens femininas dessa obra.

Para efetivar esse propósito, a autora centralizou o foco narrativo em primeira pessoa, dando voz à Penélope, esposa de Odisseu, e às doze escravas que foram enforcadas por Telêmaco no épico de Homero.A opção narrativa escolhida por Margaret Atwood para a construção do romance, evidencia, esteticamente,  o tom Feminista que funciona como um dos baluartes da obra.

A construção da narrativa em questão é, de certa forma, inusitada. A começar pela primeira fala da narradora-personagem, Penélope: “Agora que morri, sei de tudo”, o que já deixa o leitor a par de um dos fatores primordiais para a estrutura da obra, Penélope nos reconta a sua história depois de morrer.

Esta estratégia, a de conceder voz narrativa aos mortos na literatura, embora não seja exaustivamente utilizada (com exceção da literatura africana que trabalha a noção de morte em uma perspectiva que diverge da nossa visão ocidental), não é novidade, pois já foi explorada por escritores renomados, como Luciano de Samósata (séc.II, d.C) em o Diálogo dos Mortos e Machado de Assis, com o célebre Memórias Póstumas de Brás Cubas.

As narrativas supracitadas são compostas a partir da decomposição do mundo dos vivos e da hipocrisia social. Do mesmo modo, A Odisséia de Penélope, respaldada pela ironia, é composta a partir da decomposição, desmitificação da sociedade clássica, extirpando crenças e preceitos, sobretudo, a ideia de que apenas os homens têm voz e vez, e podem ser heróis.

O enredo da obra se resume basicamente no fato de que Penélope, após a morte, decide revisar os fatos de sua vida desde a infância. Passado o capítulo um, intitulado, “Uma arte menor” no qual a narradora faz uma imersão metalingüística e reflete sobre o ato de contar estórias, temos a presença de um côro, composto pelas doze escravas enforcadas (no poema de Homero) – que canta, dança e declama – semelhante ao que era utilizado na tragédia grega. Tal côro permeará toda a narrativa, visto que a voz de indignação das escravas é um dos temas mais abordados por Margaret Atwood na obra em questão.

Penélope mostra aos leitores, sobre uma outra perspectiva, fatos peculiares de sua vida, como: o dia em que seu pai tentou afogá-la;  a prepotência de sua prima Helena, causadora da guerra de Tróia – guerra essa que desencadeou as aventuras de Odisseu, e as muitas lágrimas derramadas por Penélope; o dia do seu casamento com o rei de Ítaca; a sua vida no palácio itacense; a insistência de sua sogra Anticléia e da serva Euricléia  em impedi-la de exercer seu papel de dar ordens concernentes  aos afazeres domésticos e de cuidar do seu próprio filho, por ela ser “apenas uma criança”, entre outros.

Ainda é relevante ressaltar a insatisfação que a esposa de Odisseu demonstra ter para com os deuses. Dentre muitas outras acusações, ela postula que eles nem sempre tinham a inteligência que diziam ter, mas é claro, ela só diz isso porque está morta. É como se ela alertasse aos leitores: “vocês, que estão vivos, não falem mal dos deuses!”, o que se pode evidenciar na seguinte passagem do capítulo 7 da obra: “Posso dizer isso agora porque estou morta. Antes não teria coragem”, o que nos leva a inferir que após a morte tem-se uma nova roupagem dos fatos, ou seja, as concepções se tornam mais maleáveis.

Nessa perspectiva, as provações pelas quais Odisseu passou, são descritas ironicamente, por Penélope, como irresponsáveis aventuras, meras alegorias. O episódio de Odisseu na ilha de Calipso, por exemplo, é descrito como a estada desse herói em um prostíbulo.

Em “A Odisséia de Penélope”, Margaret Atwood ainda retrata a polêmica questão de que os mortos podem renascer, o que acontece, conforme Penélope, por diversas vezes com Odisseu e Helena, a famosa prima de Penélope, que, segundo o retratado na obra, na sociedade contemporânea ainda arranca suspiros de muitos homens e provoca inveja em muitas mulheres.

Ao contrário da prima que fazia os homens perderem a cabeça, (e o corpo todo!), Penélope deixa claro que optou por não voltar a outras vidas.

Em suma, tanto pela ousadia de estabelecer um processo intertextual com um dos cânones da Literatura – A Odisséia – quanto pela leveza que cumpre o papel de equilibrar a acidez da escrita de Margareth Atwood, A Odisséia de Penélope é uma obra cuja leitura é, no mínimo, agradável.

Sobre o autor:  Cleonice Machado é mestranda em Literaturas de Língua Portuguesa, com ênfase em Literaturas Africanas. Acredita que isso seja informação demais. Para o caso de não ser uma overdose de informações, é, também, apaixonada por Futebol e Política. Quando não está no Mineirão, assistindo aos jogos do Clube Atlético Mineiro, ou nas ruas, militando, é professora de Literatura. Mas, sem ingerir quantidades cavalares de café, “não sou nada, nunca serei nada. Não posso querer ser nada. À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo”. Vocês a encontram no twitter como @cleoamachado .

A odisséia de Penélope
Margaret Atwood
Tradução: Celso Nogueira
160 páginas
Preço sugerido: R$38,50