Quase um ano após a revista Time pôr na capa um escritor e dar forte destaque ao seu livro; após Oprah escolher o mesmo para seu tradicional clube de leitura; e Obama revelar já tê-lo lido e apreciado, Liberdade chega às livrarias brasileiras. Ao acompanhar o burburinho causado na Feira de Frankfurt ou os blurbs com potencial para aparecem nas capas das edições seguintes do livro (o escolhido para a capa brasileira foi “O livro do ano, e do século”, do The Guardian), não há como o leitor manter um baixo nível de expectativas: se este não possui um ceticismo natural, suas expectativas se agigantam (great expectations, à la Dickens), o que costuma ser prejudicial mesmo aos bons livros. Não há um “Esse livro é MUITO ótimo!”, trêmulo de empolgação, que não possa ser respondido com um sonoro “Nhé!” de outrem. Mas voltaremos ao tema mais tarde.

Pela primeira vez, você compra um livro em pré-venda e nota como deviam se sentir os fãs de Harry Potter, que esperavam dar meia-noite para comprarem seus exemplares do novo volume da saga. (Pensando bem, essa não foi a primeira vez: o terceiro volume de Scott Pilgrim também foi comprado assim. Mas deu para perceber onde eu queria chegar, não?) A pré-venda é o equivalente possível para quem tem de trabalhar cedo no dia do lançamento e não pode passar a madrugada numa livraria.

Quando o romance finalmente chega à sua casa, você dúvida inicialmente se terá tempo de lê-lo: 605 páginas. Mas a dúvida desaparece quando, pensando que vai dar apenas uma olhadinha nas primeiras folhas, se percebe que leu o livro em uma semana e meia, usando todo o seu parco tempo livre. Ainda que seja um livro longo, sua linguagem prima pela transparência (conforme explicitado por Franzen, em sua entrevista para a Paris Review), o que torna a experiência de sua leitura menos parecida com a Síndrome de Estocolmo. Resumindo o que Mark O’Connell diz no artigo “The Stockholm Syndrome Theory of Long Novels”, livros longos costumam nos causar tantos problemas quanto os sequestradores que, quando nos oferecem algo bom ou de fácil apreensão, nós confundimos com amor – ou passamos a achá-los muito melhores do que são realmente.

A transparência do romance (preservada na fluída tradução de Sergio Flaksman) faz um excelente conjunto com os personagens cativantes e complexos que apresenta. Se você tiver uma (mesmo que leve) tendência à esquizofrenia, terá em Liberdade um prato cheio de figuras com as quais se identificar. A atenção com que são caracterizados tanto o trio de protagonistas (Patty, Richard e Walter) quanto os outros, “menores” (Joey, Connie, Lalitha, Jessica, Eliza, entre outros), faz pensar em como o livro não poderia ser mais curto. Nas 600 páginas, esses nomes deixam de pertencer às pessoas com que cruzamos na rua, que nos apertam no metrô ou que estão conosco na fila do restaurante badalado, para denominar aqueles com quem nos sentamos para o café da manhã e nem sempre dão bom dia. Alguns são amigões, outros só querem nos afastar; de uns gostamos de graça, de outros porque nos lembram alguém com quem já tivemos contato (e aqui admito que parte de minha simpatia por Connie se deve a ela ter me lembrado de uma personagem do conto “A escrava branca”, de Daniel Galera, apenas em maior escala).

Se não me aprofundo, acerca da importância individual ou das características específicas deles, é porque isto implicaria resumir suas histórias, e a do livro, o que não é propriamente meu objetivo – creio que o texto da quarta capa do volume é mais do que suficiente nesse sentido.

Mas Liberdade não é feito só de linguagem bem escrita e fluente, nem apenas de personagens que só faltam sair das páginas de tão humanos. Percebe-se nele a preocupação de seu autor em apontar a relevância duma literatura não alheia às questões do mundo contemporâneo. Os personagens têm posicionamentos fortes e não têm medo de expressar opiniões tanto sobre eletrônicos, como o iPod, quanto sobre o crescimento populacional desenfreado e a política estadunidense. Geralmente quando a palavra “liberdade” (e suas variantes) aparece no romance é para nos mostrar o quanto é mal utilizada e o quanto não pode ser considerada como intrinsecamente boa, ao contrário do que se costuma aprender nas aulas de História.

Creio que esse posicionamento perde um pouco de seu apelo ao leitor comum quando só pode ser feito em abstrato, quando a literatura é obrigada a se distanciar do mundo real simplesmente porque o autor pode ser processado pelo que seus personagens pensam. Isso é passível de acontecer aqui no Brasil, foi o que me informaram, não sei se durante a faculdade de Direito ou se numa oficina literária (adoraria estar errado e que alguém me apontasse o erro). Quando Richard aponta, entre outras coisas, que “Somos a favor de convencer crianças de dez anos a gastar vinte e cinco dólares numa linda proteção de silicone para o seu iPod que uma subsidiária licenciada pela Apple Computers gasta trinta e nove centavos para fabricar”, o leitor percebe com clareza a questão, sem ser ludibriado com algo do tipo “Isso é tudo invenção!”.

Pensar em certas questões apenas depois de que nada mais se possa fazer a respeito ou depois de elas se tornarem irrelevantes não parece ser uma opção para Franzen.