Patti Smith grande parte das pessoas conhece: poeta e musicista – que compôs o hit Because the Night (com uma versão ótima tocada pelo 10.000 Maniacs em seu MTV Unplugged). A cantora nasceu em Illinois e cresceu em Nova Jersey, onde foi criada por um pai ateu e uma mãe testemunha de Jeová. Não sendo o bastante, aos dezesseis largou os estudos – dos quais nunca precisou, pois começou a escrever e ler muito cedo -, trabalhou em um fábrica e até teve de abrir mão de um filho. No entanto, Só Garotos, uma autobiografia da cantora que serve como biografia de Robert Mapplethorpe – fotógrafo e artista plástico que foi seu amante, melhor amigo e confidente durante muitos anos -, é o retrato de diversos momentos da cultura Americana, como política, música, violência, e sua influência nos jovens aspirantes à artistas. A Companhia das Letras lançou o livro em novembro de 2010 com tradução de Alexandre Barbosa de Souza.

O cruzamento entre as vidas de Robert e Patti influenciam diretamente suas decisões quanto a viver de arte, batalhar para ter tempo de criar, para poder amar e conhecer a cidade grande – a Big Apple – longe do Brooklyn. É evidente que artistas no final dos anos 1960 não representam relações estáveis, comportamentos morais aceitáveis ou aproveitam uma noite sem comida se alimentado somente de músicas. Patti descreve de maneira apaixonada a cidade de Nova York, não interessa as milhares de ruas que existem e seus nomes numerados, o clima citadino não consome as pessoas, sua criatividade e seus amores. São as pessoas que consomem o que a cidade tem a oferecer concretamente e abstratamente.

E nem tudo são amores. Patti e Robert precisam se separar, a criação do fotógrafo fora totalmente diferente da sua companheira, ele precisava se portar, se retrair e se esconder. Mesmo morando com a poeta de Nova Jersey que trabalhava em uma livraria para poder pagar aluguel e colocar comida na casa, Robert tinha altos e baixos e precisava se conhecer ou chegar a um ápice artístico que não conhecia de si mesmo. O mundo lhe servia de inspiração, de símbolo, mas nunca por completo, havia sempre algo faltando. Esse vazio o faz viajar – logo após Patti ir embora para Paris – e desse ponto Robert chega aos seus limites inexplorados.

Os nossos dois garotos são os protagonistas dessa história, mas nossa narradora não deixará passar os personagens secundários que representaram tudo ou nada na sua trajetória. Principalmente no lendário Hotel Chelsea ou no Max’s, onde Patti conheceu Janis Joplin e teve a oportunidade de disponibilizar alguns de seus poemas para serem musicalizados por diversos artistas de lá. Patti também não deixará de colocar os momentos mais tocantes de sua trajetória, da sua timidez e da sua face de fã perto de um ídolo, de sua crença no amor à arte.

Para a cantora, o excesso de drogas e a constante bipolaridade de Robert não eram passíveis de grandes descrições. Tudo que seu companheiro fazia exalava algum tipo de sacríficio para renovar ou salvar a arte – que era a única coisa para qual viviam e da qual eram criadores, filhos e cúmplices – tudo era um sentimento puro que apenas ele conhecia e que só ela conseguiria absorver. Os dois se separavam fisicamente, só que nada os separava de verdade. Seus pensamentos e suas inspirações estavam ligados demais para serem cortados, por mais piegas que soe. A narradora Patti Smith consegue contornar o clichê e a pieguisse para comover o leitor.

Só Garotos está longe de ser somente um retrato sobre uma geração, é a aglutinação de diversos sentimentos, é uma carta de amor, é uma promessa, uma dívida e, principalmente, uma chama que não se extingue no coração de Patti.  Seu amor por Robert não era um sentimento e, sim, uma arte irrepreensível.