Em 1917, após a Revolução Russa, surge a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Durante todo o século XX esse jovem país seria como uma força fantasmagórica pairando sobre o ocidente e o ameaçando.

Muitas vezes, porém, se ignora que no próprio território soviético a URSS foi um construto terrivelmente cruel. Especialmente entre 1922 e 1953- período em que Stálin foi o detentor do poder máximo na nação bolchevique. Não apenas aqueles envolvidos em atividades contrarrevolucionárias foram presos e mortos, mas também muitos militantes comunistas. A linha do stalinismo era ao mesmo tempo rígida e tênue, e não aceitava alguns modos de ser comunista- o que causou aproximadamente 700 mil mortes, além das deportações e prisões.

Apesar de ser apenas uma criança na época, o escritor iugoslavo (ou sérvio, se considerarmos o quesito geográfico apenas- política e culturalmente, porém, ele é herança dupla dos quatro ou cinco países que surgiram dos despojos dos domínios do Marechal Tito) descreve esse período com um rico detalhamento em seu Um túmulo para Boris Davidovitch.

São sete capítulos (contos, talvez) em que ele explora as biografias reais de figuras relegadas ao ocaso pela história, mas que, não fossem ter sido escolhidas- de maneira mais ou menos arbitrária pelo regime- para a execução em nome de um ‘bem maior’.

Seis, na verdade: um dos capítulos, Cães e livros, nos leva não ao leste europeu da primeira metade do século XX, mas à França em 1330. Esse capítulo, porém, liga-se ao anterior- que carrega o mesmo título do livro- evocando provando a teoria de Borges sobre a repetição cíclica da história: Boris Davidovitch Novski e Baruch David Neumann eram ambos judeus e foram perseguidos com base em sua inquebrantável força de vontade e indisposição para assinar em baixo de algo com o qual não concordavam. Foram, além disso, presos exatamente no mesmo dia, com seiscentos anos de diferença.

Usando esse tipo de construção hermética, e aliando-a a comentários mordazes e uma secura de estilo que é admirável- mas que pode ser um incômodo para aqueles que buscam a beleza e nada mais na literatura- Kiš cria uma breve história da atrocidade, um retrato da crueldade e mostra, nas entrelinhas, que isso não aconteceu apenas sob o julgo da Igreja Católica medieval ou do Comunismo de Stálin, mas que é uma constante na história humana. Talvez por isso ele tenha decidido terminar o livro com a advertência tão cruel quanto espirituosa: para escrever, não basta ter culhões.

Um túmulo para Boris Davidovitch

de Danilo Kiš, traduzido por Heloisa Jahn

150 páginas

 

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