Sabe-se (ou supõe-se, já que não localizei dados confiáveis e atualizados a respeito) que o número de e-readers circulando por aí ainda é baixo e, apesar da venda de tablets andar bem, não podemos comparar aparelhos com objetivos tão distintos (não se deve esperar que donos de tablets dediquem grande parcela do tempo de uso do dispositivo com e-books). Admitamos também que, apesar de termos uma realidade em que a imensa maioria das pessoas que lê e-books no Brasil ainda o usa o computador para isso, ainda vale a pena gastar um tempo discutindo a qualidade de edição dos e-books focando especificamente a leitura em e-readers.
Levanto a questão porque, além de ver discussões envolvendo desde custo de produção (conversão x produção de e-books), passando por uma preocupação não completamente enraizada sobre estética dos e-books e chegando ao potencial ainda pouco explorado de uso dos recursos de hipertexto e imagens, sou uma leitora chata. Isso significa dizer que, apesar de priorizar conteúdo, não consigo desprezar a forma. Nesse sentido, tenho certas queixas sobre alguns produtos à disposição na Kindle Store. No quesito aparência, os livros, especialmente de poesia (comprei alguns do Fernando Pessoa por ótimos preços há tempos atrás), acabam perdendo muito do enlevo da leitura por conta de uma edição deficiente. O texto simplesmente parece não ter passado por um processo de diagramação e, desculpem a insistência, mas a forma também importa sim, e para meu gosto, importa ainda mais no caso de poesia.
As capas das ‘Kindle Editions’ também são, em muitos casos, simplesmente inexistentes. Aparecem na página do produto e quando você efetua a compra recebe o arquivo, não há imagem de capa e, algumas vezes, sequer há informações completas sobre a edição (ano, tradutor, editora). Nesse aspecto, apesar do preço muito maior e muitas vezes questionado (incluindo-me), os produtos que tenho visto nos sites de livrarias nacionais estão muito à frente. Não estou generalizando, mesmo porque minha amostragem de compras no mercado nacional (até pela dificuldade de convertê-los para leitura no Kindle) não pode ser considerada expressiva, mas o cuidado estético das edições daqui, parece sim maior. E isso me interessa porque a essa altura da vida me dou ao luxo de pagar mais caro por certa edição em papel que tem esse tipo de cuidado – bom papel, boa fonte, diagramação bacana. Então, porque deveria ser diferente no e-book. Se há uma tecnologia que me permite a mesma sensação da leitura de uma página no e-reader, porque eu deveria ficar indiferente ao alinhamento do texto, à fonte utilizada, enfim, ao acabamento do e-book!?
O preço, no entanto, não é o único parâmetro a ser associado a essa qualidade, porque temos algumas publicações gratuitas (títulos em domínio público) disponíveis web adentro que contemplam esse cuidado. O que se pode concluir então?
Não. Não serei tão atrevida de usar o termo conclusão, porque isso é palpite e não pesquisa aprofundada, mas o que percebi é que, como em qualquer outro ramo de negócio, há muito oportunismo e gente ganhando dinheiro sem oferecer produto / serviço de qualidade. E isso inclui desde ofertas incríveis que oferecem templates para que qualquer um produza seu próprio e-book com aparência profissional (!?) por preços módicos à disposnibilização para venda de edições resultantes de conversões sem nenhum cuidado. Resta aos leitores-consumidores o trabalho de garimpar a qualidade esperada e cobrar quando a expectativa é frustrada.
Sobre a autora: Maurem Kayna é gaúcha, Engenheira Florestal, baila flamenco e tem profundo interesse por literatura desde criança. Além de leitora tão voraz quanto permita o tempo, há algum tempo se aventura na escrita e, por conta de alguns destaques recebidos em concursos na web ou em meio impresso chegou ao atrevimento da publicação independente do e-book Pedaços de Possibilidade. No blog homônimo ao livro tenta provocar a discussão acerca dos e-books no Brasil e divulga contos seus e, eventualmente, outras discussões sobre literatura.
Muito bom o artigo. Sou designer e trabalho com design editorial e é uma pena que as editoras que trabalham com e-books não consigam enxergar o grande potencial que esse tipo de mídia tem para aumentar a experiência de leitura do público e ajudar, obviamente, a popularizar mais os e-books. Eu particularmente sou daquelas leitoras que gostam de sentir o cheiro do papel novo e sentir o livro nas mãos, mas um bom trabalho de design em mídia digital pode tornar a leitura muito interessante, senão, irresistível.
Muitos discutem o fim do livro em papel, acho que ele não se acabará , mas com o tempo e com o desenvolvimento do design de livros em meio digital, livros em papel irão se tornar artigo de colecionador, ter um livro impresso será realmente pra quem gosta.
Kassia, tenho certeza que o livro em papel permanece. O livro eletrônico é uma alternativa, e das boas, mas precisa aindadesse cuidado com a forma, que tem tremendo impacto na experiência da leitura.
abraço!
Maurem, vc falou de um assunto mto importante e q raramente é abordado qdo se fala de ebooks. É comum as pessoas acharem que fazer um ebook é facílimo: afinal, se vc já teve q fazer um pdf pra mandar pra gráfica, qual seria a dificuldade (e o custo) de transformar num ebook?
A maioria não percebe que fazer um ePub de qualidade é muito mais complicado do q só converter um arquivo. Qualquer conversão automatizada acarreta em pequenas modificações, e são justamente esses detalhes que são mais trabalhosos de arrumar (como em qquer tipo de diagramação).
Poesia, como vc mencionou, é dificílimo de diagramar em ePub, tem que ficar conferindo os espaçamentos entre versos e estrofes. Lá na Companhia todos os epubs passam por revisão pós-conversão em *mais de um ereader*, pra garantir q a leitura será a desejada independentemente do aparelho escolhido pela pessoa.
E nisso nem falamos nos problemas que a formatação ePub traz, né? Por exemplo, fomos converter um livro do Saramago e… surpresa, a formatação só admitia parágrafos até certo tamanho. A partir daquele limite, ele abria novo parágrafo automaticamente.
Em suma: os detalhes são o que faz a diferença — tanto na qualidade quanto no trabalho exigido.
Caramba, limite de parágrado para Saramago é quase cômico.
Levantei mesmo essa questão por conta desse mito da facilidade de edição ou confusão com “conversão”.