Luciana Thomé nasceu em 1977 e mora em Porto Alegre. É jornalista, webwriter e assessora de imprensa, atendendo escritores e projetos do mercado editorial no Estúdio de Conteúdo. É uma das editoras da Não Editora, e publicou contos nos três volumes da antologia Ficção de Polpa (Não Editora). Sem falar que é uma das organizadoras do Gauchão de Literatura, da Copa de Literatura e do projeto SportClub Literatura. No Twitter, é a @luthome.  Além de fazer esse monte de coisa, ela  ainda topou responder às 10 perguntas e meia.

1. Você é mais escritora ou editora? Um influencia o outro na hora de escrever ou editar?

Acho que, mais do que escritora/editora/jornalista, sempre me considerei “escrevinhadora”. Foi escrevendo que eu comecei a trabalhar, é o que gosto de fazer, e é o que geralmente sinto necessidade de realizar depois de ler. A leitura me levou para o jornalismo. As matérias que escrevi enquanto trabalhava num grande jornal me levaram a ler mais. E lendo mais fui enxergando temas que eu gostaria de escrever, além de possibilidades de aperfeiçoar o texto de outros escritores. É quase uma vida em looping – ler e escrever sempre. Além disso, duas coisas formaram o grande divisor de águas na minha atuação profissional: trabalhar quatro anos na Casa de Cultura Mario Quintana, com o escritor e letrista Sergio Napp; e me matricular na oficina de criação literária do professor Assis Brasil na PUCRS. Depois disso o caminho estava muito claro: queria trabalhar mais e mais com literatura. Então, respondendo a pergunta, acho que o que mais influencia minhas atuais atividades são as minhas leituras. No momento de trabalhar, sou mais leitora (e isso ajuda muito, acreditem).

2. Quanto tempo você dedica para cada atividade, entre assessoria de imprensa, edição e escrita?

A organização do tempo depende muito das demandas. E elas são pontuais. Geralmente, trabalho com duas ou três assessorias de imprensa por mês para divulgar lançamentos de livros (é a área que acabei me especializando). Também atuo como jornalista freelancer, fazendo matérias para revistas e conteúdo para sites (trabalhei muito tempo como webwriter e arquiteta de informação antes da literatura). Para escrever, costumo reservar períodos de tempo sem interrupção (os finais de semana acabam sendo perfeitos). E, mesmo depois de um dia corrido, reservo no mínimo uma hora para ler à noite. Claro, tudo pode ficar embolado quando se tem duas assessorias de imprensa, três roteiros de site, organização do Gauchão de Literatura e produção do Sport Club Literatura numa mesma semana. A solução, nesses casos, é fazer listas, e ir executando as tarefas uma a uma, às vezes ocupando 12 horas por dia.

3. Que leituras te incentivaram a escrever e despertaram o interesse pelo mercado editorial?

Sempre tive o hábito de desbravar as bibliotecas das escolas onde estudei. Quando criança, trazia livrinhos para casa, um a cada semana. Desde sempre, tenho essa lembrança de livros na mochila. Ao crescer, passei a percorrer sozinha as prateleiras e escolher minhas próximas leituras de forma aleatória. Foi assim que li Clarice Lispector, Vinícius de Moraes, Lima Barreto. Sempre li os livros obrigatórios da escola, mas com o passar do tempo aprendi a mesclar leituras clássicas e contemporâneas. É o meu sistema atual de leitura. Depois de ler José Saramago, Carlos Heitor Cony, Truman Capote, Tosltói, Jean-Paul Sartre e Franz Kafka, decidi escrever mais profissionalmente.

4. Como começou a Não Editora?

A Não Editora começou da cabeça de um não editor. Samir Machado de Machado, em 2006, organizou um projeto pessoal – a antologia Ficção de polpa. Para o primeiro volume, que foi publicado pela editora Fósforo, ele chamou colegas da oficina do Assis Brasil (foi assim que eu conheci o Samir) e outros amigos envolvidos com literatura. Como organizador, ele ficou responsável pela seleção e edição dos contos, e um grupo de voluntários se apresentou para as diferentes tarefas. Eu fui assessora de imprensa do projeto, o Rodrigo Rosp foi o revisor, o Antônio Xerxenesky ajudou a fazer contatos com escritores interessados, e o Guilherme Smee ajudou com ideias para o projeto gráfico. O lançamento foi um sucesso, e vimos que tinhamos formado um grupo multidisciplinar interessado na área editorial, que poderia atuar com qualidade e profissionalismo em todas as etapas da criação de um livro. O nome foi uma sugestão do Smee, se inspirando em Magritte. Não éramos editores ainda, éramos escritores. Então, parecia ser a denominação perfeita: nascia a Não Editora, em 2007.

5. A Não Editora tem poucos anos de vida, mas é um destaque no mercado editorial. Quais as dificuldades que vocês encontram para publicar e divulgar um novo livro?

Acho que tivemos sorte desde o início. Nossos livros foram bem recebidos pela imprensa, tanto em Porto Alegre quanto em veículos mais importantes do eixo Rio-São Paulo. Fazer a divulgação dos livros nunca foi o maior obstáculo. Acho que um dos méritos foi ter estabelecido critérios editoriais e buscar, mais do que perfis de autores, estilos de textos que gostaríamos de editar. A verdadeira batalha começa quando o assunto é comercial: vender os livros, distribuir nacionalmente, fazer nossos produtos chegarem às mãos dos leitores. Essa é a maior dificuldade de uma editora independente como a Não. A Internet ajuda muito, e foi o que fortaleceu a nossa imagem institucional. E, atualmente, temos um editor concentrado totalmente em comercialização e logística, o Gustavo Faraon.

6. Há planos na Não Editora de lançarem e-books? O que você acha do formato?

Sim, obviamente. Dos seis editores da Não, dois são fãs declarados de e-readers. Queremos muito apoiar o formato, porque também acreditamos que isso pode expandir nossa atuação, além de facilitar muitos dos entraves que temos atualmente (a questão de estar em Porto Alegre é um deles, por exemplo). Pela Internet, o livro pode ser entregue em qualquer lugar. Algumas negociações estão sendo ensaiadas na direção dos e-books. Mas queremos fazer isso com segurança, sentindo que podemos atuar profissionalmente nesse nicho do mercado.

7. Você se considera uma editora muito exigente? Por quê?

Sim, mas porque sou uma leitora exigente. Tenho um defeito grave: sou incapaz de largar um livro depois de começar a lê-lo. Posso sofrer, me desesperar, mas vou até o fim. Acho que esse foi o processo doloroso que fez com que eu identificasse mais facilmente o que não gosto num texto. E, como todos que acabam frequentando oficinas literárias, não tenho pudores de dizer o que realmente acho de um texto. O objetivo é sempre fazer melhorar. Alguns autores aceitam, outros, não. Mas faz parte.

8. Quais os pedidos/manuscritos mais bizarros que você já recebeu?

Recebemos, durante alguns anos, muitas coisas inusitadas na Não Editora. É fácil mandar um e-mail hoje em dia. Isso faz com que muitas vezes as pessoas até esqueçam de verificar se o livro escrito tem relação com o catálogo de determinada editora. Lançamos títulos de ficção, de autores jovens ou que tenham certos atributos mais modernos em suas narrativas. E recebemos até originais de livros espíritas. Por isso modificamos nosso modo de obter originais: agora, os editores procuram os originais, conversando com seus pares ou recebendo indicações.

9. Você fez parte da organização do Campeonato Gaúcho de Literatura, na Copa de Literatura de 2011 e agora também do SportClub Literatura. Como é escolher os livros e participantes desses eventos literários? Há algum incentivo financeiro por trás deles ou são iniciativas próprias para difundir a literatura?

Sim, na minha distribuição diária de tarefas, muito tempo é reservado para esses projetos. O Gauchão de Literatura é feito em parceria com o Rodrigo Rosp (está acontecendo atualmente, seguindo até dezembro no endereço www.gauchaodeliteratura.com.br). O convite para ajudar na organização da Copa de Literatura veio do Lucas Murtinho, depois que ele foi juiz da primeira edição do Gauchão (a Copa acontece uma vez por ano, no endereço www.copadeliteratura.com.br e retorna em 2012). E o Sport Club Literatura é a minha mais recente “invenção”. Ele foi inspirado na final do Gauchão, que eu organizei para acontecer ao vivo, com um amistoso prévio entre Brasil e Argentina. Foi muito bacana, e rendeu o convite do StudioClio para tornar essa uma atividade permanente do instituto. Ela está acontecendo desde junho, e já promoveu embates como Jonathan Franzen x Roberto Bolaño, Machado de Assis x Anton Tchekhov, Dan Brown x Paulo Coelho. Vale tudo. E, sim: todos, de uma maneira ou de outra, são iniciativas para difundir a leitura. E mais: são novas formas de debater livros e de divulgar a produção contemporânea. São projetos que estão ganhando visibilidade e despertando o interesse do público, mas ainda não contam com recursos ou patrocínios. Seria um desafio tentar romper isso, no entanto, daria ainda mais qualidades para todos os projetos.

10. Fora os autores publicados pela Não Editora, quais outros escritores você destaca, também fora do Rio Grande do Sul?

Do Rio Grande do Sul, gosto muito de João Gilberto Noll, Altair Martins, Amilcar Bettega Barbosa, Michel Laub e Verônica Stigger, para falar da produção atual. Me surpreendi com uma recente descoberta: Menalton Braff, que é gaúcho e escreve livros há anos, mas eu nunca tinha lido. Também tenho acompanhado o trabalho de outros talentos como o pernambucano Walther Moreira Santos. Dos estrangeiros, gosto de Philip Roth, Paul Auster, Han-Ulrich Treichel, Jonathan Safran Foer, Martin Page e Enrique Vila-Matas. E dos clássicos, Ítalo Calvino, Herman Melville, Edgar Allan Poe, Georges Perec e Samuel Beckett. E paro por aqui. Porque poderia falar sobre leituras durante muito tempo. 🙂

10 1/2) Escrevo porque… …leio porque escrevo porque leio porque escrevo… Uma ótima maneira de se levar a vida.

A equipe Meia Palavra agradece a atenção dada por Luciana Thomé

COMENTE ESSA ENTREVISTA NO FÓRUM MEIA PALAVRA